O Mundo Autista

O que é o Transtorno Disruptivo?

Selma Sueli Silva e Ângela Mathylde Soares

Selma: Mais uma vez, Doutora Ângela e o nosso quadro “Neurodivergentes & Aprendizagem”. Hoje vamos falar do tal Transtorno Disruptivo, que, em função de uma série de coisas, está aparecendo. Dra. Ângela, o que é isso?

Dra. Ângela Mathylde: O Transtorno Disruptivo, como o próprio nome (disrupção) diz, é a falta de ligação com o real. E esse Transtorno Disruptivo pode ser o Transtorno Opositor Desafiador (TOD), que pode se iniciar desde a infância, em que as crianças têm dificuldades com a lei e com ordem, depois ele evolui para um Transtorno de Conduta (TC), e depois toma um rumo maior, que é o Transtorno Antissocial, a sociopatia.

Selma: É grave. Uma vez a Dra. Ângela falou em uma palestra que se o educador não souber lidar com essas crianças, ele estará provocando o Transtorno Disruptivo. É isso?

Dra. Ângela Mathylde: Isso. Porque o Transtorno Disruptivo é um transtorno aprendido por uma educação que não tem limite nem regra, é uma educação libertária, onde as crianças não reconhecem as regras, direitos, espaços, ambientes e figuras de lei (o pai, a mãe ou quem faz essa função). E dentro da escola, se a criança já tem essa dificuldade em casa, e vai para a escola, ela vai com essa mesma bagagem. E se o professor não souber lidar com isso, ele potencializa essas dificuldades que ela já tem. Não é que na escola isso vai ser construído, não, vai potencializar. Nós já sabemos que há uma porcentagem muito grande dos transtornos disruptivos com os transtornos de aprendizagem e, também, o TEA, então ele é associado com diversas outras condições, como discalculia, disortografia, dislexia, TDAH. Toda vez que não respeita regras, não tem remorso… Essas características têm que estar presentes em no mínimo seis meses e se repetirem por um bom tempo. Então, é o momento de ligar a antena e correr para buscar ajuda.

Selma: Isso é muito grave, porque se a gente não agir na infância, pode ter o sociopata de amanhã.

Dra. Ângela Mathylde: Isso. Porque, imagina, dois anos e meio em diante. Então a criança que não aceita mesmo “ô fulaninho, não pode pegar”, ele pega e fica olhando para a sua cara e você insiste no “não pode”. Esse “não pode” não significa nada; não poder é não mesmo, então não adianta você ficar medindo forças com ele. “Ah, não, não pode contrariar.” É a famosa geração “mi-mi-mi”, que são as crianças que têm baixa flexibilidade cognitiva, não respeitam os outros, e isso é considerado normal. Tem pais que falam assim: “deixa ele quieto, daqui a pouco ele acalma.” “Ah, mas é TEA…”. Ser TEA não significa que ele deva ser mal educado, de jeito nenhum, ele tem que ser bem educado para ele poder ser bem socializado, então, ele precisa aprender essas regras dentro de casa. Você não precisa defender a criança que tem TEA porque ela tem TEA. Não! Você precisa adequar o ambiente para que ela viva bem, e isso significa que o não é não em qualquer condição. Por que senão, vamos ter a geração “mi mi mi”. Porque tem pais que supervalorizam a condição, e isso descredencia a educação. E, então, o que nós temos? Uma condição coexistente a essa que você está protegendo.

Selma: Ninguém falou que educação é fácil; se alguém falou, errou. Então, educação exige essa persistência, essa benevolência, essa empatia, esse olhar, porque estamos formando valores para a sociedade.

Dra. Ângela Mathylde: Eu quero lembrar nesse quadro de lhe dar os parabéns pela educação que você deu a seu filho. É um menino íntegro, sociável, tem objetivos, e é TEA. Então, como você vai explicar isso? Você o defendeu da condição?

Selma: É interessante a senhora falar isso porque em alguns momentos eu achei que estava exagerando, sendo daquelas mães que são severas com os filhos para atender a pessoas, mas depois o Victor me deu o retorno disso e falou: “mamãe, eu tenho uma enorme gratidão por você porque você sempre foi muito brava, mas quando precisava da ternura, você estava lá.” E com quem eu aprendi isso? Com a minha mãe. Apliquei o que eu aprendi. E, também, justiça seja feita, quando o Victor veio como desafio eu procurei isso, procurei conhecer mais, ouvi psicólogos, ouvi pedagogos, porque o conhecimento a gente faz assim, buscando onde tem informação.

Dra. Ângela Mathylde: Que é a multidisciplinariedade. E hoje você colhe frutos disso. Imagina se você tivesse prendido o Victor dentro de casa, não permitindo que as habilidades e competências dele fossem exercidas. “Ele hoje está nervoso, então vocês não chegam perto não”; “pode quebrar a casa toda porque você é autista”. Não! A casa não é dele, é de todo mundo, e nós temos que preservar. Então, é muito interessante Selma, como estávamos falando que criar filho não vem com manual. E isso é muito sério. Mas o padrão para saber que estamos no caminho certo é saber se o seu filho responde essa demanda de registro de lei, o seu “não” é “não”. Como ele se comporta no meio de outras pessoas, ele repete padrões que não são apenas padrões oportunos. Tudo isso é uma chamada para buscar profissionais assertivos, como você mesma fez. Você não ficou só esperando a coisa acontecer, porque tem muitos pais que falam: “isso vai passar”, “é o momento”, “vamos ver”.

Selma: Eu até ouvi isso, mas não acreditei.

Dra. Ângela Mathylde: Porque se você não agir no momento certo, você perde a oportunidade e depois tem que trabalhar com o que sobra. E isso é muito ruim. Então, não tem manual mesmo, vamos buscar o que você tem, e não ficar repetindo também, porque muitos pais também repetem aquilo que aprenderem com os pais e mães deles. A questão não é essa, “minha mãe e meu pai fizeram isso, então eu também faço”. Você tem que repetir e recordar sim, mas tem que elaborar. O que seus pais fizeram para você não acontece com seus filhos porque a geração é outra, então nós temos que respeitar também a geração.

Selma: O momento, o contexto, a geração, tudo.

Dra. Ângela Mathylde: Tudo, para que haja adaptação. E, dentro dessa educação, você não tem que ter uma educação autoritária. A questão não é essa. É uma educação de respeito, de experiências trocadas, mas independentemente de ter TEA ou outras condições neurodivergentes, tem que ter o adulto na relação. E que você seja o adulto.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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