Hoje vamos falar de um conceito muito importante nos estudos sobre autismo mais recentes. Ou seja, a noção sociológica do problema da dupla empatia. Este é um termo idealizado pelo sociólogo autista e pai de autista Damian Milton. Aliás, a reflexão que ele traz com esse raciocínio é algo que fez falta no período do meu diagnóstico.
Damian Milton e o problema da dupla empatia
Assim, Damian Milton propõe algo muito interessante. Dessa forma, agrega novas nuances à visão antiga do autismo como conjunto de déficits. Inclusive, essa visão se tornou ultrapassada à medida que os estudiosos sobre neurodiversidade, a exemplo de Judy Singer e Nick Waters, foram trazendo novos contornos aos debates sobre a condição. Com eles, a gente foi percebendo o quão equivocados podem ser alguns estereótipos, como quando reforça-se a carência de empatia e comunicação pelos autistas.
Então, seguindo uma perspectiva ultrapassada, se um autista não compreende o neurotípico é porque o autista não tem a teoria da mente bem desenvolvida. Ou seja, ele não tem comunicação nem empatia suficientes ao diálogo. Porém, se o neurotípico não compreende o autista, segue-se a mesma lógica. Portanto, reforça-se a ideia de que o autista não tem empatia, não tem teoria da mente, não tem comunicação. Por isso, toda falha na interação social passa a ser colocada na conta do autismo.
Essa ideia de um diagnóstico como definidor do sucesso ou fracasso das relações é um equívoco grave. Afinal, a comunicação necessariamente é uma vida de mão dupla. Ou seja, envolve sempre ação e reação. Tanto que quando você está ensinando algo você tem uma troca, um afeto no sentido de ser afetada por aquela pessoa que você está ensinando. Assim, você também aprende nesse processo. Então, toda comunicação necessariamente envolve duas ou mais pessoas. Além disso, traz uma série de questões que levam a muito além de um diagnóstico.
Afinal, o que diz o problema da dupla empatia?
O problema da dupla empatia propõe que pessoas autistas realmente tenham uma dificuldade de interpretação da linguagem. Ou seja, podem ser mais literais e isso em maneiras até sutis. Só que, geralmente por questões de sobrevivência em ambientes profissionais e familiares, elas acabam tendo que aprender o modo de funcionamento das outras pessoas. E até copiar maneiras mais aceitáveis de comunicação. Mesmo que isso seja doloroso para elas. E mesmo que isso possa ao longo do tempo causar um aumento na depressão e na ansiedade, por causa da autocobrança excessiva para agir como esperado pelos outros.
Por outro lado, as pessoas neurotípicas não têm tanto essa necessidade a não ser que elas tenham uma pessoa autista da família. Por isso, geralmente elas não se esforçam para entender como é o lugar do outro. Nesse contexto, entra o problema da dupla empatia. Ou seja, é preciso que as pessoas autistas se regulem bem, aprendam a lidar com o estresse, com a frustração, sim. Mas também é preciso que as pessoas que não são autistas busquem se colocar no lugar da outra. Senão, fica tudo muito fácil. Afinal, torna-se uma falácia de envenenamento do poço, ao colocar aquela pessoa como louca. Assim, tudo que ela fala perde a credibilidade.
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Autora do Artigo
Sophia Mendonça é uma youtuber, podcaster, escritora e pesquisadora brasileira. Em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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