Desejo compartilhar o que aprendi (e vivi) com a deficiência. Ainda me lembro o que pensei quando percebi que minha filha autista era deficiente. Meu Deus eu já não sabia como ser uma mãe típica. Ou seja, como poderia ser mãe de uma pessoa fora da curva? Aprendi, rapidamente, que a maternidade típica ou atípica, se constrói num processo formativo. Com o tempo. Além disso, humildade e amor.
Dessa maneira, me transformei em uma dessas mães que a maioria chama de guerreira, escolhida por Deus e coisas que tais. Não, não é assim. Na verdade, nasceu com minha filha, uma mãe que, ao longo do percurso, vai se fazendo a melhor mãe para a ‘filha perfeita’ que ela tem. Sim, todos os filhos são perfeitos com todas as suas características. E o resto? O resto a gente constrói juntas. Exigindo claro, que nossos parceiros, Estado e escolas, sejam eficientes também.
Parece cruel ou mesmo leviano o que escrevo aqui. Mas não é. É real, o resultado de minha experiência, depois que o autismo se revelou em minha família. Os médicos não ouvem e, muito menos validam o que diz nossos filhos crianças e adolescentes. Mas ouvem os autistas adultos, não é? Absolutamente, não. O que o adulto ou adolescente ou criança autista fala, já está sob suspeição. Por quê? Pelo abominável modelo médico, cultura médica ou seja lá o que for que faça o médico olhar para a pessoa com deficiência como ‘algo’ a ser consertado.
Isso mesmo. A maioria desconsidera o Modelo Social da Deficiência. Acreditam no Modelo Médico. Apesar dessa visão apresentar a pessoa com deficiência como uma cidadã, ela coloca toda a carga de responsabilidade pela sua inserção social no indivíduo. Assim, retira a parcela de responsabilidade da sociedade em realizar modificações nas suas práticas, atitudes e valores para inclusão.
Em contraposição a essas estruturas capacitistas, o Modelo Social da Deficiência considera que mesmo os corpos com diferenciações físicas, intelectuais ou sensoriais devem ter o direito à participação social sem barreiras e com a garantia de um ambiente acessível.
No artigo Deficiência, direitos humanos e justiça, os autores, ao apresentarem a perspectiva do MSD, expõem que a “deficiência é uma experiência cultural e não apenas o resultado de um diagnóstico biomédico de anomalias” (DINIZ et al., 2009). Sendo uma experiência cultural, ela engloba aspectos sociais, costumes, a forma de estar e ser no mundo.
Em última análise, lembro uma frase de minha filha (na época, adolescente): “O psiquiatra não me ouve, não valida minhas opiniões. Eu sei por quê. Ela só ouve quem paga a consulta.” Emendei em pensamento: “Não querem se atualizar e nos orientam de acordo com a própria opinião. Em geral, capacitista. Quando disseram que minha filha seria dependente o resto da vida, não quis acreditar que podemos vaticinar sobre uma vida que não se disse ao mundo ainda.” Ainda bem!
Eu sempre pensei no educador com a missão de criar valores para atuação na sociedade. Ou seja, a missão que assumi como mãe. Acreditei que ele nunca iria desistir de um aluno. Qual o quê! Então, na minha experiência, o professor é o primeiro a desistir. E listam suas justificativas: falta de capacitação, salas cheias, salários miseráveis… Concordei com a frase que ouvi não sei de quem. “Onde sobram justificativas, falta criatividade.”
Isso mesmo, da mesma forma que médicos devem ser pesquisadores e estudiosos incansáveis, assim é para o educador. Afinal de contas, o escola é um lugar para estudo e aprendizado. Aliás, isso serve para todos que circulam por esse ambiente. Educadores são pesquisadores da formação humana. São cientistas da educação. Além disso, lidam com vidas. Da mesma forma como os médicos lidam também.
Vi muitos professores que não estudam. Ou seja, criam uma relação de baixa autoestima. Não têm convicção de que a escola é para todos. Aliás, como nos dita a nossa Carta Magna. Ainda bem, que sempre existem aqueles que, além de entender de Educação, não perdem a própria humanidade pelo caminhos de desafios. Assim como, hoje, não temos mais a escravidão. Certamente, graças a uma minoria que não perdeu, nunca, a convicção da liberdade para todos.
Na construção da inclusão escolar, existe, também, a tendência de não ouvir e muito menos, validar o que o aluno diz. Ah, nossas crianças/adolescentes tem tanto a nos ensinar… Foi com ela que aprendi que não basta colocar na escola para a pessoa socializar. A socialização PRECISA ser ensinada ao autista. Jogá-lo no recreio com os colegas, para ver o que acontece, é desumano. O autista não aprende intuitivamente. Ele precisa de um passo a passo.
Na adolescência, Sophia conversou com a supervisora de sua confiança e pediu: “eu não quero ser ‘normalizada’. Mesmo que pareça, eu não consigo fazer muitas coisas solicitadas, pois preciso de suporte. Eu quero entender os meus colegas e ser entendida por eles.” Simples assim.
Incluir não é um ‘problema’ dos pais ou da família. Incluir é um compromisso público. E, assim, é preciso acreditar na capacidade do aluno. Ou seja, acredite e ele irá revelar essa capacidade, aos poucos.
O laudo médico é mais um instrumento pensar na criança como um todo. A inclusão é, em si, o processo formativo que considera as especificidades de todo e qualquer aluno. Desse modo, há que se promover constante diálogo com todos que compõem a comunidade escolar. É desse jeito que alimentamos o processo para nos deslocarmos para uma outra realidade.
As circunstâncias e o contexto se transformam, criam uma nova referência, de acordo com a convicção das pessoas envolvidas. Mas hoje, ainda temos uma sociedade eminentemente preconceituosa. Logo, a escola é o reflexo dessa sociedade. Revolucionar o que está posto, exige batalhas diárias, constantes. Assim, mudar o pensamento é a barreira mais difícil na qual a inclusão esbarra. Entretanto, tudo o que nos encanta e nos afeta nos transforma positivamente.
E então? Vamos garantir o comum – a educação – para entrarmos no processo formativo, que envolve toda a comunidade escolar. Da convivência, é que nascem as melhores soluções.
Texto de Selma Sueli Silva, inspirada pelo aprendizado com a fono, professora e doutora em educação, Eliane Ramos. E com Rosângela Machado, mestre e doutora em educação e pesquisadora em ensino e diferença.
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Começo o meu preambulo com uma pergunta. Qual pessoa que se diz normal, não tem uma deficiência? - se não fosse assim, não ficaríamos sabendo de brigas, de roubos ou até mesmo de crimes. Não é verdade? Fiquei muito curioso ao me deparar com o título, e não perdi tempo em ler a experiência dessa mãe. Parabéns pela coragem em expor o seu problema. Creio sinceramente que estamos muito longe de ver as pessoas "deficiente" por um ângulo diferente, pois, cada ser humano está em seu bloco de vida, não consegue ver o do outro. Obrigado.
Agradeço muito sua interação. Você não leu o texto? Acha que seria perda de tempo? Fico triste pois nos desnudar e compartilhar nossas experiências, não é algo fácil. Exceto, se for por um bem maior.
Mas, de fato, não somos todos pessoas com deficiência. Só se enquadra neste conceito, aquelas pessoas que encontram barreiras no ambiente e na sociedade e ficam impossibilitadas de exercer, com igualdade e equanimidade, seu direito à cidadania.
Entretanto, nem todas as pessoas tem uma deficiência. Não. Mas todos, somos sim, diferentes uns dos outros. Somos, todos, seres humanos com habilidades e limitações. Abraço.