No texto de hoje, quero falar sobre o olhar da mãe de pessoas com deficiência. Mas, antes, quero contextualizar o assunto. Estou morando temporariamente, com minha mãe. Ela tem uma casa em um condomínio perto aqui, de Beagá. Aliás, a convivência com o verde e o ar puro é receita natural e alternativa ao equilíbrio de meu cérebro neurodivergente.
Até mesmo quando eu peço que minha mãe reveja a distribuição das plantas, que por aqui são muitas, e que enfeitam a nossa casa, ela me atende com paciência. Minha mãe sabe que muitas plantas significam para mim, também, muita informação visual. Assim, ela me assiste e me orienta enquanto vou distribuindo as plantas de maneira equilibrada a la Selma Sueli. Depois de 2016, quando fui diagnosticada dentro do TEA, minha mãe e eu subimos muitos degraus na escada de nossa relação afetiva.
O olhar de minha mãe mudou ao saber que eu era pessoa com deficiência. Nada a ver com capacitismo. Tudo a ver com conhecimento, respeito e interação. Por isso, sou encantada com esse olhar materno. Independente da idade da mãe, ele está ali, atento à necessidade real de seu filho ou filha. Pelo menos, funciona assim, com a maioria das mães.
Antes de saber de meu diagnóstico, minha mãe me ouvia atentamente, para entender a lógica de meu raciocínio. Aliás, muitas vezes, um raciocínio bem diferente do dela. Ela já me respeitava do jeito que eu era. Nunca desprezou minhas diferenças. Estava sempre pronta a me acudir quando era alvo de bullying. Desse modo, minha mãe tentou entender minhas diferenças, uma a uma. Esse movimento dela fez toda a diferença em minha vida.
Depois de meu diagnóstico, então, minha mãe brilha. Às vezes, vejo seu olhinho astuto revirar e ela me diz: “Ah, espera, me esqueci, por um momento, de que essa sua atitude é por causa de seu cérebro neurodivergente.” Dessa forma, ela reformula a forma como está interagindo comigo naquele momento. Existe atitude mais maternal e mais fofa? E olha que não sou criancinha. Sou uma jovem senhora de 58 anos, ao lado da mãe de 80.
Entretanto, a relação mãe e filha dispensa a categorização por tempo, forma, idade ou quaisquer outros engessamentos. Eu sempre serei sua menina, sua filha. E ela sempre será minha referência, a terra firme para meus pés. Nada a ver com dependência ou manipulação. Tudo a ver com apuramento ao refinar a relação afetiva.
Hoje, quando olho à minha volta, percebo muitas mães com esse mesmo olhar atento e amoroso. E foi dessa maneira que descobri que o olhar da mãe de pessoas com deficiência não precisa ser diferente. O olhar de mãe simplesmente é. Ele não está. O olhar da mãe de pessoas com deficiência apenas solicita mais constância, atenção apurada, atenção plena. Por isso, a mãe de pessoas com deficiência jamais liga o piloto automático dessa visão.
Contudo, essa mãe pode e deve receber auxílio, cuidados, morar em um país que se preocupa com as leis de inclusão e suas aplicações. Assim, mesmo que ela não ligue seu olhar no piloto automático, seu olhar pode seguir com mais leveza e justiça. Enquanto isso não acontece, eu sou toda gratidão a essas mães que, mesmo sem as condições necessárias, nos conduzem a sermos adultos como hoje eu sou: cheios de esperança e crença de que dias melhores virão.
Enquanto há esperança, o futuro de nossos filhos estará garantido. A esperança não falha em se tornar realidade.
Parafraseando a frase conhecida do Buda Nichiren. “O inverno não falha em se tornar primavera.”
Texto de Selma Sueli Silva, a filha de Irene e mãe da Sophia
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