Victor Mendonça e Selma Sueli Silva
Lemos o artigo “As trancinhas teleguiadas do ‘produto’ Greta Thunberg” e um bolo se formou em nosso estomago. Corremos ao google para relembrar algo mais sobre Sheila Leirner. Estava lá: curadora, jornalista e crítica de arte brasileira. Vive e trabalha em Paris desde 1991. Estudou cinema, sociologia da arte e urbanismo na França e, em 1975, tornou-se crítica de arte no jornal O Estado de S. Paulo. Mantém o Blog ‘Arte, aqui e agora’ no Estadão. Não é pouca coisa, não. É muita, além, claro, dos 70 anos vividos. Mas que dor a constatação de que nada disso nos imuniza sobre o preconceito, o capacitismo e o senso comum.
Ela começa:
“A menina Greta Thunberg sempre me irritou além da conta e nunca soube porquê. Descobri que, na verdade, não é ela que me irrita. Como poderia ficar incomodada por uma criança atingida pela síndrome de Asperger, uma perturbação do espectro autista?” De fato, não há como se incomodar com o fato de alguém possuir um cérebro neurodivergente que traz com isso algumas especificidades, como por exemplo, um conhecimento profundo sobre um tema de hiperfoco.
E continua:
“Levei algum tempo observando: primeiro, achei muito estranho e paradoxal que ela simbolize um engajamento messiânico planetário, quando o seu rosto não revela nenhuma empatia. Depois, pensei: a sua idade e handicap a tornam inatacável. E concluí que Greta Thunberg é uma vítima, vergonhosa e covardemente manipulada. Oportunística e hipocritamente manipulada. Penso que ela deveria ser protegida e que, antes de acharmos tudo isso ‘maravilhoso’, precisamos também olhar com mais atenção a ‘verdade’ das ideias que ela repete.”
Que horror! A velha história de se julgar pela aparência: esse aqui tem cara de inteligente, esse de canalha, esse de empático e esse de falta de empatia. Isso é sério? Inferir que o mal, além de recrutar crianças para o tráfico pode recrutar, também, cérebros autistas, de 16 anos para defender um assunto tão sério quanto clima, por pura manipulação… uau! Que teoria da conspiração é essa, gente? Se tudo isso não bastasse, ainda demonstra um desconhecimento profundo das possibilidades do cérebro neurodivergente. Eu fui procurar um diagnóstico para o Victor desde pequeno pois, aos 4 anos, ele me dava lições de tolerância no trânsito que me deixavam envergonhada. Nos anos 2000 procurei um psicólogo e disse: “Estou aqui para aprender a lidar com meu filho. Sei que não sou burra mas, confesso, ele tem me colocado no bolso.” Não me ocorreu pensar que as ideias não eram dele, que aquilo era repetido pois sempre surgia num contexto em que sua fala se encaixava perfeitamente. Não neguei sua capacidade porque eu era a adulta e ele apenas uma criancinha. Não. Tratei de tentar entender aquela criança. E do prognóstico de dependente pelo reto da vida ele agora é escritor com 5 livros publicados e outro já em processo de produção. Percorre o Brasil comigo falando sobre a neurodiversidade e o cérebro neurodivergente para tentar impedir que opiniões absurdas e capacitistas como a da sra. Leirner se passem por verdades absolutas.
Aliás, como explicar que eu mesma, diagnosticada há 3 anos, aos 3 já observava pessoas para saber como lidar com elas? Que aos 10 tinha medo de que a adulta na qual eu me tornaria banalizasse toda aquela gama de sentimentos e pensamentos construídos pela menina Selma, assim como eu via acontecer com todos os adultos?
Lembro quando, aos 12 anos, o Victor quis processar por calúnia, difamação e injúria o professor de português. Ele havia duvidado da autoria de seu texto. E o Victor me explicou:
Calúnia – Imputação falsa de um fato criminoso a alguém. E ele não estava cometendo plágio ou se apropriando de ideia de ninguém.
Difamação – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação. Acusa-lo de plágio manchava sua honra e, finalmente,
Injúria – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. Ele estava sim, muito ofendido.
Lá fui eu conversar com o professor, não para ameaça-lo, mas para que ele soubesse que o Victor era autista e, portanto, perfeitamente capaz de escrever e dissertar sobre diversos temas. Aos 14 anos, ele escreveria seu primeiro livro: “Danielle, Asperger”.
Ela prossegue:
“Greta Thunberg é manipulável a tal ponto que os próprios pais tornaram pública a sua doença – o que, na minha opinião, é de uma grande irresponsabilidade, para não dizer, imoralidade.” Quanto desserviço, quanta desinformação. Autismo grau 1 (antigo asperger) não é doença, consta no CID, assim como a gravidez, por exemplo, para facilitar algumas intervenções.
E mais:
“Mas essa opinião não é só minha. Hoje, vários médicos franceses acreditam que revelar o estado neuropsiquiátrico de menores à mídia deveria ser considerado um delito. Sabe-se que – depois da descrição da síndrome por Hans Asperger em 1941, as crianças Asperger são às vezes geniais, porém sempre frágeis. Precisam de serenidade, cuidados especiais e não podem ser expostas, mesmo se assim queiram. Um menor doente ‘não tem que querer’. E instrumentalizá-lo, então, é um erro moral. Energias podem ser renováveis porém juventude, saúde e estudos, não. Sem ter consciência disto, esta menina, sacrificada, perde irremediávelmente os seus.” Quanta sandice. Há médicos que dizem que o MMS cura autismo, e daí? Outros tantos que o jeito da mãe é causa “dessa doença”. Uma a uma dessas teorias vem sendo derrubadas, claro, pela Ciência séria e comprometida com a humanidade.
Todas as crianças e jovens são frágeis e, por isso, são protegidas por lei. O que não as torna incapazes. E não oferecer instrumentos e suportes para que TODOS os jovens desenvolvam o rico potencial que carregam em si, isso sim, é crime hediondo.
‘Thunberg tornou-se – por causa de sua doença – um caso (inatacável) de trancinhas teleguiadas, marketing climático de muito dinheiro e interesse por trás. Grande lobby das indústrias de energias soi-disant sustentáveis, coisa que está sendo demonstrada por alguns especialistas, como veremos abaixo. Porém, principalmente, virou um estandarte da extrema esquerda anticapitalista e outros radicais.” Não julgue essa jovem por suas trancinhas, sra Leirner. Tente um diálogo produtivo e sereno e vai ver que não precisa ataca-la para ser derrubada no primeiro round.
E mais à frente, finaliza:
“Até a próxima, que agora é hoje e, no fundo, penso que essa garotinha de olhos duros me irrita também pois, além de tudo que escrevi, a sua greve climática parece ser uma maneira bem esperta de cabular as aulas!” Que argumento, heim? Nos tempos atuais, será mesmo que uma garota, de cérebro neurodivergente, educada na Suécia estaria cabulando aula? Ou, no terceiro milênio, esse se apresenta o jeito mais produtivo de convidar o mundo para um aulão, cujo aprendizado nos levaria a uma solução que beneficiaria o mundo todo? Se é bom ou ruim, só o tempo dirá, mas de uma coisa temos certeza: Venha conhecer mais sobre o nosso fascinante mundo do autismo, sra. Sheila Leirner.
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O texto de Sheila Leirner não tem nada de preconceituoso. Ninguém é obrigado a gostar do outro porque ele é autista. É preciso respeitar a opinião alheia . A colunista expôs e fundamentou muito bem o seu ponto de vista, mostrando o quão hipócrita são estes movimentos ativistas. Não há "consciência" autista se o desejo é desmerecer e criminalizar todas as outras formas de consciência.