Victor Mendonça e Rodrigo Tramonte
Victor Mendonça entrevista o cartunista e autista Rodrigo Tramonte. Na conversa, eles falam sobre o processo de construção da própria história.
Victor Mendonça: Rodrigo Tramonte é cartunista, autor de um livro fantástico sobre o lado engraçado do autismo, chamado “Humor Azul”. Ele é autista, diagnosticado tardiamente e, assim como eu, é uma figura pública nessa seara do autismo. Isso envolve uma série de fatores. Comigo, por exemplo, aconteceu assim: eu comecei a me posicionar publicamente no final de 2014, quando me formei no ensino médio. Dessa maneira, eu cursei a faculdade toda mantendo o canal “Mundo Autista”, no YouTube. Agora, como jornalista e mestrando em comunicação social, eu continuo trazendo a questão do autismo à discussão. Acontece que a gente não é só o autismo, a gente tem muito mais a oferecer, a falar, a debater.
Rodrigo como você lida com isso, com essa questão, com essa expectativa, principalmente de pais para que a gente fale só de autismo. Até a Maju Coutinho declarou em uma entrevista, que ela estava cansada de ser chamada somente para falar sobre ser negro, sobre o racismo, que ela fala sobre diversos temas. Como você enxerga essa questão de ter uma grande visibilidade? Você acredito que tenha essa visibilidade até maior do que eu. Você já foi ao programa da Fátima Bernardes em um episódio sensacional, inclusive, que fez muito sucesso. E aí, Rodrigo, conta para a gente: como é lidar com tudo isso?
Rodrigo Tramonte: Pois é, Victor, eu não esperava me tornar uma pessoa pública na área do autismo. Eu comecei a fazer palestras como voluntário, uma atividade paralela ao meu trabalho. Só que, com o tempo, eu acabei conhecendo a Andreia Monteiro, que foi a produtora do meu livro. Aliás, foi ela quem deu a ideia de fazer o meu livro, ela quem conseguiu os contatos para a produção do livro, os patrocinadores.
Victor Mendonça: Sim, é um livro muito bem feito, a gente vê isso.
Rodrigo Tramonte: Minha trajetória foi mais ou menos parecida com a sua. Depois que eu lancei os livros, muita gente se identificou com o que eu escrevi e foi quando surgiu toda a repercussão sobre o autismo. As mães de autistas, pais de autistas, professores de autistas, médicos de autistas passaram a me procurar. Eles leram o livro e identificaram na história, o filho, o aluno, o paciente. Depois disso, vieram os convites para palestra, muita gente me adiciona nas redes para pedir informação sobre como lidar com a pessoa autista.
Victor Mendonça: No livro “Danielle, Asperger”, o primeiro livro escrito e o segundo a ser publicado, eu falo sobre a questão da vida de uma figura pública. Naquela época, eu escrevi, mas eu ainda não era uma figura pública. Eu sempre tive esse desejo de trocar experiências com as pessoas e quando eu lancei o “Outro Olhar”, meu primeiro livro, aconteceu exatamente isso que você está citando. Os dois livros, embora com linguagens diferentes pois o Outro Olhar é mais ensaístico e o Humor Azul é uma história em quadrinhos, ainda assim, eles dialogam na forma em que abordam a construção autista. Você sente alguma cobrança, porque, às vezes, Rodrigo eu percebo, te acompanhando, que é muita gente que vai mesmo atrás do nosso texto, da nossa vivência. Para você, como autista, ser também uma pessoa pública é um grande desafio?
Rodrigo Tramonte: Sim, com certeza. Até mesmo por trabalhar em eventos, qualquer tipo de multidão, de aglomeração, deixa o autista mais nervoso, naturalmente. Como falar no palco para muitas pessoas? Existe sempre essa cobrança. Por exemplo, agora que eu estou falando contigo, conversando com uma pessoa em particular é diferente de estar compartilhando conhecimento, a própria história de vida com milhares de pessoas.
Victor Mendonça: É verdade, é uma dinâmica diferente. Rodrigo. Tem uma frase que eu ouço muito, de muitos pais e mães, principalmente de mães, que você também deve ouvir bastante. Eles dizem: “Eu queria que meu filho fosse igual a você quando ele crescesse”. O que você responde para esses pais?
Rodrigo Tramonte: Eu até achei que eles ficariam incomodados com a resposta, mas eu espero que ninguém seja igual a mim quando crescer. Eu posso ser essa pessoa que é autoridade no autismo, que aparece na televisão e jornais, que publica livro, ganha dinheiro com seus desenhos, dá palestras, mas na vida pessoal ainda tenho as mesmas dificuldades que uma criança ou adolescente com autismo.
Eu ainda tenho a vida pessoal solitária a maior parte do tempo. Embora muita gente me contrate para desenhar algumas coisas, fazer algo fora disso ainda é bem difícil para mim. E é isso. Cada pessoa, o Pedro, o João, o Lucas, ou o Mateus seja qual for o nome do menino autista, as meninas autistas também, a Ana, a Clara a Júlia, vão crescer e virar o Rodrigo tramonte, o Victor Mendonça, a Selma e outros vários autistas que dão palestras, que são autores de livros. Mas, ainda assim, eles vão ser eles mesmos, tem que levar isso sempre em conta. Eu cresci e virei o Rodrigo, você cresceu e virou o Victor. Cada um vai crescer e ser quem é.
Victor Mendonça: É verdade. A gente busca ser o melhor possível dentro do que a gente é. A gente vai aprendendo a lidar com algumas dificuldades. Mas a gente continua sendo pessoa com características singulares. A proposta é jogar luz no lado positivo de cada um de nós, para ser a melhor versão da gente mesmo. Os filhos dessas pessoas vão crescer e vão criar sua própria história e isso é que é muito bacana.
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