Selma Sueli Silva
Hoje me levantei cedo, cumpri meu ritual de oração e café da manhã e saí para um compromisso. Estava inquieta e não sabia bem por quê. Passei minha rotina na cabeça pela centésima vez. Tudo certo, eu havia traçado um esquema para um dia atípico: dia de jogo do Brasil contra a Bélgica na Copa do Mundo pelas quartas de final.
Organizei meus compromissos de forma a estar em casa quando o trânsito começasse a ficar tumultuado. Muita gente, cornetas, apitos, definitivamente não são minhas paisagens preferida. E com um agravante: motociclistas surgem de todos os lados e me fazem relembrar das formigas que eu observava por horas, saindo do formigueiro na minha infância. A sensação é que vinham todos para cima de mim numa sinfonia barulhenta e indecifrável.
Respirei fundo e saí repetindo baixinho: “tudo vai dar certo. Já deu!” Mas não foi o que me confirmou o clima de frenesi nas ruas. Havia um certo nervosismo no ar. Puxa, resolvi ‘correr’ para voltar pra casa o quanto antes.
Consegui chegar ao final da manhã e só faltava passar no supermercado. Senti aquele velho e conhecido aperto no peito que eu não entendo como consegue subir e se instalar na garganta. Minha cabeça dava mostras de que iria doer, a boca ficou seca. Cheguei ao supermercado e ao ver que o estacionamento estava cheio, comecei a ficar sem ar. Resolvi comprar só o essencial: leite, verduras e frutas.
Dirigi-me ao caixa. As filas estavam enormes. Congelei. Congelei mesmo, do tipo não conseguir dar um passo. “Calma…calma… calma… tudo vai dar certo!” Fui para o caixa preferencial. Qualquer coisa poderia pedir ajuda. Enquanto esperava, respirava e tentava pensar numa paisagem bem bonita. O zumzumzum eram conversas intermináveis vindas de todos os lados.
Quando chegou minha vez, estava trêmula. Fiquei com medo de não dar conta de passar tudo rápido pelo caixa e já enxerguei a fila crescendo atrás de mim. Um senhor me encarava e eu quase pedi desculpa nem sei porquê. Repeti o que ensinei tantas vezes ao meu filho: “é tudo armadilha de seu cérebro.” Respirei fundo e comecei a empacotar as compras. Era um produto dentro da sacola e dois fora. Que saco. Sempre fico nervosa. A operadora do caixa percebeu que estava tremendo e me ajudou. Terminamos e ela perguntou: “Passou. Já está tudo bem?” Fiz que não com a cabeça mas tentei um sorriso de agradecimento que mais pareceu uma careta. Entreguei o cartão e pedi para dividir de duas vezes, sem juros.
Nada é tão incomodo que não possa piorar. Ela tentou uma vez, não deu. Retirou o cartão, limpou o chip e nada. Ah, nem!!! É sempre assim. Depois dizem que fazer compras é coisa banal. Peguei o cartão, passei a tarja preta no cabelo e voltei a colocar na máquina. Depois de mais três tentativas, ela disse: “melhor a senhora ir no balcão”. Pânico geral. Balcão, que balcão? Quis pagar com cartão de débito. Ela explicou que era o sistema. Eu não enxergava nada. As imagens eram borrões cercados por muito, muito barulho.
Veio a auxiliar e me encaminhou até lá. O rapaz solícito passou o cartão e… nada! Fiquei confusa. E se o cartão não passasse nunca mais? Depois de três tentativas ele sorriu e disse: “Agora deu.” Nossa. Já estava enjoada. Apertei as teclas automaticamente. ‘Transação rejeitada’. À beira das lágrimas, falei quase sem voz: “acho que errei a senha.” Nova tentativa. Deu certo, Ufa!
Resolvido? Não. Minha cabeça rodou e me sentei na cadeira do rapaz. A atendente olhou para mim e correu para buscar um copo, d’água. Faltava pouco. Eu ia conseguir. Tomei a água, agradeci. Coloquei as compras no porta-malas. Minhas mãos tremiam no volante. Dei o comando: “Fique calma, está tudo bem. Faça a manobra sem pressa, não tem ninguém olhando, o pior já passou.” Mais alguns quarteirões e eu estava em casa. Encontrei com a faxineira do prédio. Ela me ajudou a colocar as compras no carrinho e disse de maneira agradável: “Fazer compras relaxa a gente, não relaxa?” Não respondi mas agradeci com a cabeça. Ao entrar em casa, me joguei no sofá. Mais uma batalha vencida. Lar, doce lar!
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