Meiry Geraldo, Musicoterapeuta e fundadora da Galeria Aut, uma galeria de arte para pessoas com autismo (www.galeriaaut.com.br)
Tenho três filhos. Natan, o mais velho, Artur (que tem TEA) e Sara, a irmã gêmea de Artur. Foi Artur quem fez-me voltar à minha formação original, a Musicoterapia. Ele é um autista não-verbal.
Quando mudamos para Belo Horizonte, em 2008, eu não trabalhava. Ficava por conta dos filhos. Nessa época, Natan optou por fazer violão e Artur e Sara, com pouco menos de três anos, tinham toda estimulação sonora que eu podia oferecer.
Lembro-me de momentos deliciosos onde colocava vários instrumentos para eles tocarem e ficávamos os quatro tocando juntos na sala. Tinha teclado, flauta, bongo, reco-reco, triângulo, agogô, pandeiro, pau-de-chuva… O tempo passou e sempre estimulei Artur. Ele ama música, ouve o dia inteiro e repete, repete… Artur não é muito de “tocar”, mas seu instrumento preferido é o bongo.
Há uma relação interessante dele com a música. Logo que aprendeu a mexer no YouTube, colocou sozinho o CD do Shrek e se divertia ouvindo. Na época da gestação eu ouvia muito esse CD e cantava para eles. Aqui vemos a comprovação dos estudos da memória auditiva da criança ainda na vida intra-uterina. Até hoje não sei como ele achou esse CD no YouTube.
Algumas vezes ele usa a música para nos mostrar o que ele não consegue expressar verbalmente. O mais marcante destes momentos musicais, foi quando ele retornou à escola; colocou em seu computador a música do Sid o Cientista, que diz o seguinte: “Te amo mãe, você é da hora, mas é que agora tá na hora da escola”. Ano passado foi a vez da música de “Parabéns a Você”. Na época do seu aniversário Artur encontrou um vídeo cujo título era: “Parabéns príncipe Arthur”. Esse é um vídeo de um menino pequeno onde mostra a hora em que cantam “Parabéns a você”.
Artur gosta também de fazer mixagens. Ele costuma filmar trechos de vídeos do YouTube. Nestes trechos ele repete o som, faz efeitos de “trêmulo” com a barra de espaço do teclado do computador e junto faz seus sonzinhos. Ele é o nosso DJ!
Não acontece apenas com Artur. Em geral, não somente as pessoas com TEA, mas todo tipo de pessoa tem uma ligação com a música. A criação do nosso vínculo com a música começa durante a gestação, ainda na barriga da mãe. A voz materna também é reconhecida pelo bebê. Há muitos relatos de mães que cantam para seus bebês ainda no útero e após o nascimento, ao ouvir o som da voz da mãe, eles se acalmam. O cantar nada mais é que o segundo elemento da música, a melodia. Por esse motivo a musicoterapia tem a seu favor alguns fatores como:
Musicoterapia
“Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, num processo para facilitar, e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, no sentido de alcançar necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas.
A Musicoterapia objetiva desenvolver potenciais e/ou restabelecer funções do indivíduo para que ele/ela possa alcançar uma melhor integração intra e/ou interpessoal e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida, pela prevenção, reabilitação ou tratamento.” Essa é a definição de musicoterapia pela Federação Mundial de Musicoterapia Inc. 1996.
O início do processo musicoterapêutico com o paciente consiste primeiro em uma avaliação inicial. Através desta avaliação e entrevista com os familiares, o musicoterapeuta irá conhecer o universo sonoro do seu paciente, identificar quais são suas preferências musicais, se há uma sensibilidade auditiva, questões sensoriais, problemas motores, que tipo de instrumentos o atraem e, diante disto, estipular e definir os objetivos a serem alcançados.
Por esse motivo, não há como definir qual a melhor música para pessoas com TEA. O contexto cultural, social e o ambiente estão diretamente ligados a essa história musical de cada um de nós. Como vimos na definição de musicoterapia, todo tipo de som e seus elementos podem ser utilizados
Após o diagnóstico do Artur, comecei a procurar o que poderia fazer para melhorar o seu desenvolvimento. Então ele me inspirou a retornar a minha área de formação a Musicoterapia. Nessa busca descobri o Son-Rise. Esse programa foi criado por Barry Neil Kaufman e Samahria Lyte Kaufman, pais de um menino autista. Sua fundamentação está baseada no relacionamento, tudo com uma atitude de muito amor e aceitação. Esse programa me ajudou muito a olhar meu filho de forma muito diferente e acreditar que, dentro de suas possibilidades, ele ainda pudesse crescer e se desenvolver. A aplicação desse programa é feita de forma intensiva de 4 a 8 horas por dia. Mas sozinha eu não conseguiria fazê-lo e continuei a busca por pessoas que pudessem me auxiliar. Nessa busca conheci o ABA – Applied Behavior Analysis (Análise do Comportamento). Durante um ano e meio fui orientada pela Dra. Camila Graciella Santos Gomes como aplica-lo no meu filho. Esses dois modelos de intervenção embora sejam “diferentes” há vários pontos em comum. Como por exemplo, “o modelar” que é dar o modelo para a criança, utilizar-se da motivação da criança para ensinar-lhe, comemorar a cada conquista elogiando a sua criança cada vez que a mesma realiza uma tarefa e a frequência x tempo de intervenção. Uma grande diferença entre os dois é que no Son-Rise a forma de intervenção é responsiva, ou seja, ele aguarda o momento da criança, onde há uma “brecha” para criar uma “conexão” e assim fazer a intervenção. Já o ABA é diretivo. O ABA é uma ciência que estuda as variáveis que afetam o comportamento. Sua aplicação é variada podendo ser utilizada tanto para ensinar ou para diminuir comportamentos inadequados. Possui uma intervenção padrão onde o profissional que orienta os pais/cuidadores irá focar na demanda da criança, seja com um currículo de desenvolvimento de habilidades básicas, como foi o caso do meu filho, ou em uma aprendizagem mais complexa.
Hoje posso dizer que atendo meus pacientes dentro da sessão de musicoterapia utilizando as duas abordagens. Por experiência própria internalizei o ABA, mas também tenho o lado mais lúdico e divertido da conexão do Son-Rise.
Linguagem simbólica
A linguagem simbólica requer a imaginação. E esta é uma das dificuldades que muito autistas apresentam. Em consultório a comunicação é normalmente um dos fatores que mais afligem os pais das crianças com TEA. O atraso da fala está diretamente ligado a linguagem. A linguagem, por sua vez, é a representação do pensamento. É fundamental entendermos nesse sentido, qual a dificuldade da pessoa com TEA, se por exemplo:
Neste aspecto, uma fonoaudióloga poderá auxiliar melhor. Mas em consultório e com meu filho aprendi que a utilização da linguagem mista (linguagem onde utilizamos a imagem e a palavra) funciona muito bem. As pessoas com autismo têm facilidade em utilizar as “imagens”, tanto é que o PEC’S (Picture Exchange Communication System) é um sistema de comunicação alternativa, onde utiliza-se da troca de figuras para efetuar a comunicação. É reconhecido mundialmente.
O sucesso deste tipo de linguagem mista funciona tão bem que eu e a musicoterapeuta, Simone Presotti Tibúrcio, temos um curso que se chama: Imagem, Música e Ação – Recursos Sonoros, Visuais e Corporais na Estimulação de Pessoas Especiais.
Concluímos que a utilização da música no aprendizado do autista requer a contextualização, antes de partirmos para uma linguagem simbólica
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