Victor Mendonça e Andrea Taubman
A partir da obra “Não me toca, seu boboca”, Andrea Taubman fala sobre como abordar um assunto tão delicado como o abuso sexual infantil. Uma criança que tem acesso a informação sobre o abuso sexual é seis vezes menos vulnerável que a que não tem.
Victor Mendonça: Hoje, a gente vai falar sobre um assunto que a gente tem que falar assim “Na real” mesmo, e a Andrea vai explicar porquê desse assunto ter que ser “na real” e como fazer isso, por ser uma questão muito delicada, que é a questão do abuso sexual infantil. Esse é o tema do livro “Não me toca, seu Boboca”, que é protagonizado pela Ritoca. Esse livro ganhou até um prêmio.Andrea, você gastou um tempo grande de pesquisa com essa obra. Ela não podia ter nenhum problema conceitual, por se tratar de um tema muito sério. Então, conta para a gente como foi todo esse processo que, no final, teve o reconhecimento em uma premiação literária.
Andrea Taubman: Foi tão emocionante, porque o Não me toca, seu Boboca foi um trabalho que consumiu quase oito anos. Eu comecei a escrever em 2010, e ele só foi publicado no final de 2017. E o prêmio Neide Castanha* é um prêmio de Direitos Humanos voltado para crianças e adolescentes. Então, ter um livro infantil premiado nessa dimensão, é algo que traz uma felicidade incrível. E o Não me toca, Seu boboca tem uma tarefa a realizar, que é falar de um assunto horroroso de uma forma lúdica, leve e tranquila, coordenado com um conhecimento teórico que eu fui adquirindo aos longo dos anos de pesquisa. O livro passou por muitas revisões de psicólogos do Tribunal de Justiça, de outros psicólogos e clínicos.
Eu tive muitas conversasse encontros até chegar ao resultado final. Hoje, é um livro amplamente utilizado, eu vou dizer utilizado mesmo. Porque é um assunto que, eu mesma como mãe, eu sou mãe de dois meninos, hoje eles são adultos, eu como mãe, também me enrolei para falar sobre isso. A gente não quer mostrar o lado horroroso da vida para os nossos filhos, para as nossas crianças. Só que não falar sobre isso, deixa a criança seis vezes mais vulnerável, conforme nos orientam várias pesquisas. Ou seja, uma criança que tem acesso a informação sobre o abuso sexual é seis vezes menos vulnerável que a que não tem. Por que? Porque ela já tem informação, ela já consegue entender o que está acontecendo, o que a criança sem essa informação, não consegue. Uma criança sem informação não consegue entender o que é carinho e o que é toque abusivo até, mais ou menos, os sete anos de idade. Dessa forma, se ninguém contar para ela, a criança não vai saber. E ela pode se tornar vítima. O abusador não é aquele desconhecido, que chega igual a maioria das mães forientam quando dizem: “não aceite nada de estranhos”. Esse que é o ponto capcioso da história. O abusador, em mais de 70% dos casos, não é desconhecido, ele é conhecido e bem conhecido da criança. Ele é da mais absoluta confiança da família. Ele se vale dessa aproximação, dessa confiança para enredar a criança e acabar cometendo o seu crime. Então, a coelhinha Ritoca, que é uma criança também, ela conta a sua história em primeira pessoa. Uma vivência de algo que aconteceu com ela. E ela já começa dizendo que é uma história difícil de falar, difícil de entender. E realmente é. Ritoca reforça que até para nós, adultos, é difícil. Mas tudo isso, dentro da linguagem infantil.O livro traz as ilustrações magistrais de Thais Linhares. Ritoca conta para as crianças como é que ela saiu dessa enrascada. Ela, uma criança contando para as outras crianças, uma vivência, uma experiência. Ela compartilha essa vivência. É bem diferente de um trabalho pedagógico.
Victor Mendonca: De um adulto que passa uma hierarquia, às vezes.
Andrea Taubman: Exatamente! Então, como é a voz de uma criança dando voz a outras crianças, é uma narrativa que vem fazendo uma diferença grande no modo de abordar uma questão tão complexa e delicada. de uma forma que não traga desconforto para a criança. Olha, Victor, acontece desde crianças pequenininhas, eu tenho relatos de mães que são relatos incríveis. São relatos sobre crianças de três aninhos, ou menos de três anos, identificando como o abusador queria enganar as crianças. Primeiro, ele se apresenta assim, muito bonzinho, muito inofensivo.
Victor Mendonça: No começo, ele aparece assim, bonitinho, mas depois…
Andrea Taubman: Então, tudo isso é oportunidade para a gente conversar de uma maneira que está muito conectada com o cotidiano da criança, numa linguagem acessível que não vai constranger nem a família, nem o educador, nem vai colocar a criança em uma situação de medo ou de angústia. Pelo contrário, ela grita junto com Ritoca: não me toca, seu Boboca. Ritoca conta sua história para todo mundo conhecer e tem uma parte que é bem informativa para a criança, que a gente resolveu por meio da linguagem da ilustração, que são os proibidos para as crianças.
Victor Mendonça: A interação dessas linguagens da escrita e da ilustração também são primorosas.
Andrea Taubman: Muito! A Thais foi absolutamente brilhante e eu sempre destaco a coragem da editora Aletria, que é de Belo Horizonte, de ter publicado esse livro, porque realmente precisa ter coragem. A vida requer coragem.
Victor Mendonça: E sendo corajoso, a gente consegue fazer a diferença na vida do outro por meio do nosso setor de atuação. No seu caso, como escritora, que tem um alcance muito grande. Parabéns, por dar voz a tantas histórias, por dar voz a tantas pessoas por trás dos personagens de suas histórias. Por dar voz, também, à literatura, em um momento em que a gente precisa de voz, precisa da literatura infantojuvenil.
**O Prêmio Neide Castanha é um dos mais importante reconhecimentos em defesa de direitos humanos voltados para crianças e adolescentes no Brasil e acontece anualmente. Realizado pelo Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes e da Rede ECPAT Brasil, a premiação é um dos mais importante reconhecimentos em defesa de direitos humanos das crianças e adolescentes, reconhecendo instituições ou pessoas físicas que atuam no enfrentamento à violência sexual com programas, projetos ou ações. O prêmio é uma homenagem à Neide Castanha, referência nacional e internacional no enfrentamento da violência sexual nessa faixa etária. Neide participou da construção do Estatuto da Criança e do Adolescente e da criação do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuvenil.
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