Selma Sueli Silva e Camila Marques
Selma Sueli Silva: A Camila começou a falar algo, da última vez que nos encontramos, que eu achei legal e eu prometi explorar mais esse assunto. A Camila me contou que cresceu sem referencial de beleza feminina negra, alguma coisa assim.
Camila Marques: Bom, o que aconteceu: eu cresci nos anos 2000 e, até quando vamos estudar tendência de moda, a gente sabe que a tendência naquela época era o cabelo muito liso. Logo, crescemos sem referências. Na época, tinha a Taís Araújo, Isabel Fillardis, mas elas já usavam o cabelo liso e eu acabei passando a infância toda com o cabelo trançado por falta de produtos certos para eles. Comecei a perceber que eu andava em alguns lugares e não via nas capas de revistas, na TV, eu não via pessoas negras. Eu só via pessoas com a pele mais clara, o cabelo mais escorrido, os traços de branco – como as pessoas costumam dizer. Essa é a famosa falta de representatividade. Mudar isso, não é uma vitória minha, mas de todo o movimento negro hoje. A gente consegue ter profissionais negros, profissionais maquiadores negros, a gente se vê em capas de revistas. Hoje, temos a cantora Iza, a cantora Ludmilla. Já existe todo esse protagonismo. É uma vitória minha– a gente toma posse– e de todo o movimento negro; assim como é para mim, é para muita gente.
Selma Sueli Silva: Camila, você levantou um ponto importante: a gente não se reconhecer na sociedade. Eles falam assim: “Ah, mas porque tanta preocupação com os negros, com a questão da cota?”. Os negros de hoje têm a possibilidade, mas as estatísticas continuam mostrando mais mortes de jovens negros, menos jovens negros chegando à universidade, mulheres negras com dificuldade, e é interessante que, quando a mulher é negra, ela parece que tem duas representatividades: uma, é daquela negra que aparece de turbante, de maquiagem, ao estilo africano. Mas temos também aquela negra americanizada, que seria tipo a Lupita, toda produzida. E, de qualquer maneira, a gente fala aqui, que seja negro, branco, enfim, a gente fala de beleza da pessoa, da beleza do ser, não é verdade? Então, é ter esse referencial, a beleza do ser humano.
Em um programa passado, você falou que suas amiguinhas tinham um cabelo longo e muito liso. Não se perceber igual em um grupo, na pré-adolescência e na adolescência, deve ser muito difícil. E olha que podia até ser assim: “Ah, mas não tem problema, porque sou mais bonita do que elas”
. Mas aí, a sociedade nos coloca: “Não, você é mais feia do que elas”. É uma coisa assim que a gente sente no ar, não é Camila?Camila Marques: É a questão da representatividade, Selma. Porque você não se vê nos lugares. Eu, enquanto adolescente, passava despercebida, porque o bonito era o cabelo liso. Mesmo em escola pública, subúrbio, essas coisas. E a gente não se vê. Eu tenho um acervo de revistas “Marie Claire” do ano de 2011. Na época, eu fazia curso de moda e guardei as revistas. E em todas as edições, eu vi apenas uma capa negra. Uma capa negra em 12 edições da revista no ano. E era a Camila Pitanga. Isso em 2011. Não tem dez anos. A partir das demandas do nosso grupo, do grupo feminino negro, (ainda bem que hoje a gente tem YouTube), a partir daí surge um tanto de gente falando disso, o mercado publicitário, o mercado editorial, o mercado da moda, todos eles são obrigados a se movimentar, até porque, nós, negros, consumimos, não é?
Selma Sueli Silva: Exatamente. E, são grande parte da população. Agora, me conta uma coisa que eu estou lembrando aqui: que história é essa da sua avó usar pó de arroz?
Camila Marques: Sempre que dá, eu vou para a casa da minha avó no interior. Minha avó é negra, mas possui a pele mais clara que a minha, pois minha avó é mestiça. Um belo dia, eu estou me arrumando para sair com as minhas primas e estava passando um pó compacto, quando ela disse: “Ué, minha filha, mas o pó de arroz hoje em dia é moreno, hein?” Eu disse: “Mas eu sou escura, vó. O pó tem que ser escuro!”. “Mas na minha época, a gente usava o branco para ir para o forró”.
Selma Sueli Silva: Tá vendo, gente? Usava o que tinha e ainda achava bom porque dava uma clareada. Ainda bem que os tempos são outros. Por isso, a gente está aqui, antenadas. “As Divergentes” de olho, sempre!
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