Minha história com o autismo e o pôr do sol. O título deste texto diz muito de mim. Penso até que o texto que advém dele já está pronto em minha cabeça. No entanto, este texto foi escrito pela psiquiatra que tirou um peso dos meus ombros. O peso de uma Selma Sueli Silva fragmentada. Foi com ela e hoje, também com minha psicóloga Isabella Calijorne, que eu fui, pouco a pouco descobrindo as fragilidades da Selma Sueli que sempre fui: autista, sim. E feliz!
O autismo e o pôr do sol na vida da psiquiatra Giovana Mol
Minha história com o autismo se parece um pouco com minha história com o pôr do sol. Ou seja, minhas primeiras experiências com o pôr-do-sol na infância foram angustiantes. Eu não entendia muito bem aquela situação, em que bruscamente o tempo mudava. Não fui preparada para reconhecer esse fenômeno quando era pequena, sem explicações sobre como era esse funcionamento da natureza. Porém, fui crescendo e essa angústia se tornou uma contemplação. Fui conhecendo e entendendo melhor cada mudança do espectro de luz, cada tom de cores e sua beleza. Hoje eu amo observar o sol se pondo e sinto que quando a noite chega, ela me acolhe e não mais me amedronta como era na minha infância.
Minha história com o autismo
Pois meu contato com o autismo foi o mesmo. Durante minha formação como médica e psiquiatra, tive pouco contato com esse conhecimento (talvez porque ainda esteja se consolidando na ciência). Meus primeiros contatos com o autismo no consultório foram de insegurança. Eu não possuía ferramentas necessárias para identificar esse fenômeno (assim como o pôr-do-sol). O medo surgia e junto a esse medo pode ser tentador classificar de acordo com as minhas (ou as da ciência incompleta, como “histeria”) crenças de julgamento. Eu me senti impotente de dar suporte a essas pessoas inicialmente. Mas a vida me trouxe muitos autistas para contemplar, assim como o pôr-do-sol aparece a todo dia, sem o nosso controle.
E fui aprendendo e me aprofundando cada vez mais nesse fenômeno tão bonito que é o autismo. Ainda me sinto com poucos recursos para a compreensão completa.
Mas hoje eu contemplo ambos, o autismo e o pôr-do-sol, com admiração, respeito, aconchego e amor. A presença de ambos me faz sentir segura e feliz, pois dividir tanta luz desses espectros é um privilégio.
Giovana Mol é psiquiatra e psicogeriatra. Além disso, é terapeuta focada na compaixão. Tem o mestrado em neurociência e é diretora @nucleoallerevita .
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.