Victor Mendonça
Victor fala sobre sua experiência no mestrado e revela um motivo especial para a sua pesquisa.
Quero escrever sobre um tema que é meu hiperfoco atualmente, e tem que ser mesmo porque toda pessoa, autista ou não autista, que se envolve em um projeto de pesquisa, tem de focar, e muito, nele. A pesquisa exige dedicação exclusiva, ou quase exclusiva. Quero falar sobre o meu projeto do mestrado.
Eu passei no mestrado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Estado de Minas Gerais (UFMG) no ano passado, em 2019, para começar esse ano, em 2020. Passei em segundo lugar geral e no primeiro para as pessoas com deficiência. Tive acessibilidade na hora de fazer a prova, e isso foi uma boa experiência. Mas eu acabei entrando em circunstâncias muito atípicas para esse meu mestrado, no momento de uma pandemia. Embora, mesmo com o isolamento, eu tenha uma produção louca para o mestrado com várias pesquisas, artigos científicos, isso acabou atrasando um pouco o processo da minha pesquisa principal, que é ligada a um assunto que me desperta muito interesse. Aliás, vários assuntos me despertam muito interesse.
É interessante pensar que muitos pais têm medo de seus filhos não atingirem independência e autonomia na fase adulta. Mas, no meu caso, eu estou no mestrado, embora tenha passado pelo ensino médio com alguma dificuldade. Cheguei a pensar que não conseguiria me formar no ensino médio devido a uma fobia social que enfrentei nesse período. Na faculdade foi tudo um pouco mais tranquilo nesse sentido, mas ainda assim, tive algumas crises horrorosas, mas passei pela faculdade, venci. Entrei com o gás todo no mestrado e veio a Covid-19, a pandemia meio que para eu “baixar um pouco a bola”.
Voltando à minha pesquisa, ela ainda é um embrião, pode mudar em diversos aspectos, mas ela toca em diversos assuntos do meu interesse. Eu brinco que foi minha mãe quem me levou para o mestrado. Como pesquisador e bolsista pela FAPEMIG, eu tive o cuidado de conquistar minha independência da minha mãe. Até mesmo quando vou pesquisar sobre o autismo, eu procuro pesquisar outros autores, claro, que não sejam só ela que é uma pesquisadora bastante influente sobre o autismo, mas que é minha mãe e eu quero ampliar esse meu repertório.
Entrei no mestrado por causa dela e eu digo isso porque o foco do recorte da minha pesquisa é muito ligado à questão do autismo no feminino, que faz parte de um grupo mais marginalizado, já que os autistas são marginalizados de um modo geral. Dessa forma o autismo no feminino é um subgrupo pouco diagnosticado, por questões estruturais, culturais, neurológicos. Esses sub diagnósticos, acabam levando a uma série de impactos ao longo da vida dessas mulheres que não prejudicam somente a elas, mas toda a sociedade.
Essas mulheres são, muitas vezes, pessoas competentes em determinadas atuações ou até mesmo brilhantes, mas acabam sendo engolidas por diagnósticos equivocados, como ansiedade, depressão. Esses diagnósticos podem até fazer parte do quadro clínico dela mas não são a questão central, que é o autismo.
Dessa forma, essas mulheres poderiam ser produtivas, colaborar para a sociedade mas ‘muita coisa’ acaba por retardar esse processo. E é isso que eu quero trabalhar na minha pesquisa, quero devolver à sociedade um trabalho que possa agregar, que tenha valido o investimento da universidade pública em mim. Algo que seja bom para todo mundo, não só para os autistas, não só para as mulheres autistas, mas também para todo mundo que busca talentos no mundo, que busca criar novos valores, para que esses valores possam ser encontrados, desenvolvidos, conhecidos em suas particularidades.
Para isso, eu usei como recorte, a temporada de Malhação – Viva a diferença, eu sou mestrando em Comunicação Social, na linha de pesquisa textualidades midiáticas. Então, eu uso como recorte a novela Malhação, reprisada recentemente. Teve a personagem autista Benê (interpretada por Daphne Bozaski), que ganhou vários prêmios e foi muito aclamada pela crítica e pelo público. A minha pesquisa está ligada ao impacto que essa personagem tem na sociedade, relacionado à compreensão do autismo no feminino. Que tem algumas nuances diferentes com relação ao autismo no masculino, e como a trama da personagem Benê, proporcionou ou não, uma conscientização sobre o autismo no geral.
Como eu disse, isso é apenas um rascunho desse projeto de pesquisa que busca entender essa relação da comunicação, meios de comunicação com sociedade. A pesquisa terá vários vieses e tenho certeza que muita coisa vai mudar durante o processo, mas o ponto é estudar como essa novela de grande repercussão, pode ter sido benéfica para esse grupo de pessoas. Hoje em dia se vê muitos autistas nas séries de televisão, principalmente nos Estados Unidos, em especial. Então, será que os autores televisivos da teledramaturgia entendem a necessidade de devolver essa reflexão para a sociedade? Esse é um ponto a ser discutido. Enfim, não quero dar muito spoiler da minha pesquisa, mas eu vou dividir o desenrolar desse projeto Na medida em que eu for descobrindo novas questões.
É tudo uma grande descoberta: ser um autista no mestrado e ser um autista trabalhando com pesquisa de comunicação, que é o ponto nevrálgico do autista, ou as próprias questões relacionadas à teledramaturgia, o TEA (Transtorno de Espectro do Autismo) no feminino, enfim. Eu queria registrar também uma menção especial à minha orientadora, Sônia Pessoa, que é uma pessoa realmente incrível e tem me ajudado a entender o meu lugar como pesquisador. Eu trabalho com pesquisa afetiva. Nessa perspectiva, o afeto não está ligado a sentimentos e emoções. Pesquisa afetiva significa que estou inserido nesse meio que eu pesquiso, afeto e estou afetado por toda essa rede.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.