Selma Sueli Silva
Nunca vou me cansar de homenagear minha mãe que, aos 25 anos, separou-se de meu pai, com 3 filhas de 5, 3 e 2 anos. Dali para a frente, seria uma trajetória impossível para aquela mulher vinda da “Vila dos Marmiteiros”, que ainda não havia terminado o Ensino Médio, em pleno ano de 1967. Mas ela não sabia que era impossível e, em 2006, se aposentou como Procuradora da Prefeitura de Belo Horizonte, com suas ‘meninas’ formadas em Engenharia Civil, Comunicação Social e Direito.
A verdade era que minha mãe não sabia de muita coisa e se atirou à descoberta de algumas e outras, simplesmente, se tornariam conhecidas, somente, muitos anos depois. Minha família tinha muitas pessoas consideradas ‘esquisitas’ e a primeira pessoa ‘esquisita’ da família a receber o diagnóstico de autismo grau 1, foi minha filha, Sophia Mendonça. Há 4 anos foi minha vez e minha mãe, claramente com muitos traços dentro do espectro, resolveu que agora, o diagnóstico para ela, não faria a menor diferença.
Olhando para trás eu percebo como minha mãe foi singular e precisa para que eu sobrevivesse à falta de um diagnóstico. Talvez por ter passado por tanta coisa semelhante a mim, ela era ‘cirúrgica’ em suas explicações sobre o mundo e a vida. Mais tarde, eu me casei e, como havia feito com o casamento, determinei uma data apropriada para ter o primeiro filho. Fiquei desorganizada quando o momento chegou, mas não veio acompanhado de uma segurança para ser mãe.
Talvez, se não fosse o meu cérebro neurodivergente, eu não seria mãe. É que eu não me via como tal, não havia uma lógica a seguir para o preparo à maternidade e isso tudo me gerou muita insegurança. Deixei a data passar e não tive o filho programado para o ano de 1993. Mas algo continuava martelando em minha cabeça: minha geração acreditou que a regra era casar e ter filhos. Assim, sete anos após meu casamento, Sophia chegou.
Ainda bem, hoje sou melhor ser humano que era antes da maternidade. O que não significa que a maternidade seja um presente necessário à plenitude da mulher, algo que nos alçará à condição de ‘santas’, praticamente. Não, de jeito algum. A maternidade foi o maior desafio de minha vida que redundou num imenso aprendizado.
Eu nasci como mãe em 06 de fevereiro de 1997, o que me requereu muito estudo, observação, tentativas, erros e acertos. Graças a esse hiperfoco no desenvolvimento da criança, percebi sutilezas que passaram despercebidas ao pediatra. Aos 11 anos, veio o diagnóstico de Sophia de autista grau 1.
Com a vinda desse novo norte, o diagnóstico, eu passei transferi meu hiperfoco para o ‘autismo’. Meu universo se ampliou e eu descobri a neurodiversidade. Descobri que o mundo não se estreita a partir daí, ele se alarga. Filho é coisa séria e sua educação deve ser cercada do propósito de que ele seja um valor para a sociedade. Hoje admiro Sophia para além de ela ser minha filha.
Se houve sofrimentos? Claro, e muito. Ainda há. Acredito que se soubesse do meu autismo antes, quando Sophia era adolescente, eu não teria conseguido. Entrei em crise, muitas vezes, com ela. Desejei que eu e ela não existíssemos, procurei, obstinadamente, a lógica para essa diferença de codificação..
E descobri, pois “o inverno nunca falha em se tornar primavera”, e é o rigor do inverno que garante a plenitude da primavera. A filosofia budista de Nichiren explica o princípio da “cerejeira, ameixeira, pessegueiro e damasqueiro”. Essas árvores suportam o rigoroso frio do inverno e, quando a primavera se aproxima, cada qual a seu próprio tempo se enche de flores de beleza singular.
Hoje, eu sei que a diversidade dos seres humanos expressa a missão ímpar e as qualidades peculiares de cada um. A Dra. Elise Boulding (1920–2010), pioneira em pesquisas sobre a paz, defendia que um dos requisitos mais importantes para edificar a paz é ter o espírito de apreciar e celebrar a diferença e a diversidade, além de reconhecer que cada pessoa é única e preciosa. Um viva a todas as mães que, a seu jeito, procuram acertar na missão de educar e entregar valores humanos para a sociedade.
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