Por que falar sobre Luto e Autismo? O luto é uma reação emocional e, como tal, pode ser processado de maneira diferente por autistas. Afinal, temos dificuldades com abstrações e para comunicar nossos sentimentos. No dia a dia, isso pode se refletir em alterações bruscas de humor e um aumento da necessidade de tempo para comportamentos repetivos e atividades criativas, como escrever ou desenhar. Isso tudo pode nos afastar do contato com outras pessoas.
Em um contexto que nos cobra produtividade e boa educação, fica mais dificil manter essas características. Assim, pensamentos ruminativos surgem em profusão e não necessariamente levam para um lugar de conforto. Aliás, muito pelo contrário, a experiência costuma ser muito desagradável. E, se não tomarmos cuidado, pode se prolongar por um circulo vicioso. Afinal, o cotidiano fica mais pesado e novos problemas surgem naturalmente, mesmo que não estejamos preparados para eles.
É verdade que muitos autistas tendem a ter um pensamento mais lógico. Isso pode evitar sensações de culpa ou a criação de hipóteses angustiantes, do tipo: “e se eu tivesse feito isso ou aquilo?”. Porém, alguns fatores podem complexificar essa questão, como a explicação racional de um médico que aquela morte poderia ser de fato evitada. Em um artigo de 2022, a jornalista Selma Sueli Silva observa o que acontece quando o autista encontra-se com o luto. “Embora entenda que a morte seja natural na vida de todos nós, é difícil para a pessoa autista compreender, quando a sequência de acontecimentos que antecederam o evento, parece não obedecer a uma lógica aceitável“, observa ela.
Nesse sentido, rituais religiosos podem ajudar a pessoa na compreensão de questões existencias. E também, concretizarem o sentimento com explicações que fazem sentido para quem segue aquelas crenças. Como budista, assisti vários colegas de prática que lidaram com a morte de maneira natural. O Budismo entende que a morte pode ser uma vitória e que o legado da pessoa se extende pelas próximas gerações. Vivenciei uma situação assim com o falecimento da minha mentora Raquel Romano.
Mesmo que eu não tenha lidado bem com o ocorrido, muito em função da saudade, eu mesma me consolei ao perceber que a história e as ideias de Raquel sempre estarão vivas, principalmente graças aos educandos dela, como seus clientes de arte educação, alunos na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) ou pessoas que ela ajudava. Naquele momento, eu jurei honrar o legado humanista de Raquel. Ela permanece comigo e sempre permanecerá.Para os budistas, a vida é eterna. “O ‘eu’ segue um ciclo infinito de nascimento, envelhecimento, doença e morte”. Em uma cerimônia após a morte de Raquel, ofereci o “Shokô”. Este é um ritual que consiste em oferecer respeitosamente o incenso em memória a uma pessoa falecida orando pela sua felicidade eterna. Uma vez que o Budismo declara que todas as pessoas são dotadas de natureza ou estado de Buda, o Shokô é também um ato de reverenciar a natureza de Buda dos falecidos.
Sophia Mendonça é jornalista e escritora. Também, atua como youtuber do canal “Mundo Autista” e é colunista da “Revista Autismo/Canal Autismo“ e do “Portal UAI“. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Assim, em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Já em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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