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Letramento Autista, Autismo no Feminino e o Autismo na Universidade

Hoje quero falar sobre Letramento Autista, Autismo no Feminino e o Autismo na Universidade. É que, na semana passada, mais precisamente na terça-feira, 16 de setembro, apresentei um trabalho na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Este foi um retorno ao local onde cursei meu Mestrado em Comunicação entre 2020 e 2022.

A apresentação focou na representação do autismo em meninas no streaming, a partir da adaptação do livro “De Geek a Chique”, de Holly Smale, para a Netflix. Assim, o objetivo foi reforçar, com uma análise acadêmica, a importância da produção de conhecimento por pessoas autistas. Para que, dessa forma, se tenha uma compreensão mais diversa e digna do espectro.

Letramento Autista, Autismo no Feminino e o Autismo na Universidade

Nessa palestra, explorei os conceitos de “autocorpografia” e “letramento autista” como ferramentas para ir além dos estereótipos médicos do autismo.

Dessa forma, demini a autocorpografia como um gênero que, através de relatos criativos com inspiração autobiográfica, analisa a desconexão entre o sujeito e seu corpo, e a forma como ele se comunica com a sociedade. Originalmente, esse conceito emergiu da literatura de pessoas trans. Afinal, a experiência de traduzir a vivência corporal para a linguagem médica, muitas vezes, condensa essa realidade em uma “ficção” (no sentido de tradução do mundo em linguagem) necessária para a compreensão. Assim, a autocorpografia foca nesses atos criativos. Com isso, traz aspectos sensoriais e emocionais para ajudar a entender a identidade de um grupo de pessoas.

Autismo no Feminino

Além disso, aprofundei a discussão sobre a camuflagem social (ou masking) e o subdiagnóstico em mulheres. Antes, as mídias popularizavam a ideia de que a proporção era de quatro homens para cada mulher autista. Esta é uma visão que, graças ao ativismo e aos estudos de pesquisadoras autistas, vem mudando. Hoje, sabemos que a proporção é menor. E que os métodos de diagnóstico são frequentemente baseados em estereótipos masculinos. Tudo isso, portanto, leva ao subdiagnóstico feminino.

Então, quando as mulheres autistas ganham voz e compartilham suas experiências, descobrimos aspectos do autismo que antes passavam despercebidos, como a camuflagem social. Esta característica, por sinal, é mais comum e intensa nelas. Isso ocorre por razões tanto biológicas/neurológicas (no caso de mulheres cis e trans, pois seus cérebros têm padrões mais alinhados com sua identidade de gênero), quanto culturais. Afinal, a sociedade ensina as mulheres a serem “educadas, quietinhas e submissas” desde cedo. Brincadeiras simbólicas, como a de bonecas, ajudam a desenvolver habilidades sociais que levam muitas mulheres a camuflar características autistas em situações sociais. Por isso, avaliadores podem erroneamente concluir que elas não se enquadram no diagnóstico de autismo.

Essas mulheres também podem apresentar dificuldades sensoriais diferentes e uma reação mais forte à rejeição social. Não à toa, muitas são diagnosticadas de forma incorreta com transtornos como bipolaridade ou borderline.

Série Geek Girl, Letramento Autista, Autismo no Feminino e o Autismo na Universidade

Em “Geek Girl“, diversos aspectos que mencionei são retratados, como o forte vínculo com a melhor amiga (que atua como uma pessoa de apoio), uma alta empatia emocional (ela sente intensamente a dor do outro, mas nem sempre compreende a perspectiva do outro), e a desorganização diante de mudanças (evidente na série na forma como ela lida com a rotina do pai e da madrasta).

Na palestra, também abordei aspectos técnicos de adaptações para o cinema e a TV, o que me levou a questionar a decisão da Netflix de manter uma fidelidade extrema ao romance. Embora o livro tenha sido escrito há dez anos, e nosso conhecimento sobre o autismo em mulheres

tenha evoluído muito nesse período, a autora defendeu a obra dizendo que a personagem era inspirada nela mesma, questionando se sua própria experiência poderia ser um estereótipo.

No livro, o diagnóstico de autismo da personagem não é explícito. A autora afirmou que o fez por falta de informação sobre o autismo feminino na época. A minha reflexão é: em 2024, será que a série precisava manter essa omissão? Ou a adaptação poderia ter explorado a jornada da personagem para descobrir seu diagnóstico, mostrando o processo de autoconhecimento? Afinal, a representatividade feminina no espectro é crucial para entendermos que o autismo é uma condição muito mais ampla e plural do que se imagina, e cada vida, autista ou não, tem uma dignidade única que merece ser celebrada.

Autismo no Feminino e o Autismo na Universidade

Fazer o mestrado na época da pandemia me impediu de vivenciar a universidade fisicamente, mas foi um período de grande amadurecimento e crescimento. Voltar à UFMG, onde tive momentos difíceis, mas também vitoriosos, foi muito simbólico. Decidi retornar não como vítima, mas como a pessoa vitoriosa que me tornei. Estar de volta me permitiu fazer as pazes com o meu passado.

A Potência de Pesquisar o Autismo

Hoje, como doutoranda em Literatura, ainda não consigo mensurar a importância de ter um projeto orientado por uma dupla de pesquisadores autistas. Isso é crucial, especialmente em um momento em que o autismo enfrenta ataques de diferentes lados, seja pela acusação de banalização (“quase todo mundo é autista”), ou pela estigmatização (“autista é uma coisa muito ruim, muito sofrida”).

É importante lembrar que pessoas autistas são seres humanos, com todas as belezas e dores que isso implica. Podemos produzir e gerar trabalhos valiosos para a sociedade. Minha educação de sucesso me deu os recursos para devolver isso à comunidade.

A Contribuição das Ciências Humanas nas pesquisas sobre autismo

Também observei a importância das Ciências Humanas nas pesquisas sobre autismo. Descobrimos que o autismo feminino não é uma versão mais branda. Ele não foi ignorado por ser “leve”, mas por se manifestar de uma forma diferente. Isso tem um grande impacto, e precisamos entender melhor essa manifestação em mulheres.

Como os estudos anteriores foram baseados em homens, a nossa área, a Comunicação, tem a oportunidade de mostrar que precisamos, sim, pesquisar sobre as mulheres autistas e dar a elas a visibilidade que merecem

Vìdeo – Letramento Autista, Autismo no Feminino e o Autismo na Universidade são tema de palestra de Sophia Mendonça para a UFMG.

Sophia Mendonça é jornalista, professora universitária e escritora. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Ela também ministrou aulas de “Tópicos em Produção de Texto: Crítica de Cinema “na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), junto ao professor Nísio Teixeira. Além disso, Sophia dá aulas de “Literatura Brasileira Contemporânea “na Universidade Federal de Pelotas (UfPel), com ênfase em neurodiversidade e questões de gênero.

Atualmente, Sophia é youtuber do canal “Mundo Autista”, crítica de cinema no “Portal UAI” e repórter da “Revista Autismo“. Aliás, ela atua como criadora de conteúdo desde 2009, quando estreou como crítica de cinema, colaborando com o site Cineplayers!. Também, é formada nos cursos “Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica” (2020) e “A Arte do FIlme” (2018), do professor Pablo Villaça. Além disso, é autora de livros-reportagens como “Neurodivergentes” (2019), “Ikeda” (2020) e “Metamorfoses” (2023). Na ficção, escreveu obras como “Danielle, asperger” (2016) e “A Influenciadora e o Crítico” (2025).

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