O clichê “Ler é viajar” me provoca. Mas ler o quê? Viajar para onde? Na infância, aprendi a decifrar o abecedário da língua portuguesa. Antes mesmo de dominar a habilidade da escrita. Ainda não tinha idade para iniciar o processo de alfabetização. No entanto, conseguia unir os símbolos das placas pelas ruas. E, assim, entender que juntas tinham algum significado.
Aliás, eu era capaz de diferenciar letras de números, também. Desse modo, a conexão entre o meu olhar e aqueles grafemas foi se tornando algo potente e natural. Resultado, transbordou em um sentimento que me preencheu: o amor.
Amor pelas letras, por seus sons, por suas pronúncias, por suas múltiplas ligações. E a partir delas, o poder de se transformarem em palavras. Então, alcançar a palavra foi uma conquista! Por exemplo, expressar-me através das palavras, faladas ou escritas, foi um acontecimento! Finalmente, eu iria acessar um novo universo, a leitura.
A leitura que vai muito além de decifrar palavras, mas decodificar sentidos, verbalizados e silenciados, foi um processo. Uma trajetória de descobertas de textos escritos, ilustrados, falados, cantados pela melodia entoada na voz da educadora. Uma experiência sonora que transmitia a prosódia correta das palavras e marcava o ritmo da leitura, na sucessão de tempos fortes e fracos alternados por intervalos.
E assim, o meu coração foi acompanhando essa cadência como um tambor. Um tambor que atende ao chamado, e que está na mesma frequência do chamamento. A leitura criava raízes profundas. Delineava cada novo passo. Caminhava ao encontro amoroso que me conduziu aos livros, às enciclopédias, às bibliotecas. Além disso, me conduziu ao Magistério, à narração de histórias e, finalmente, à faculdade de Letras.
Sabe quando se está no escuro e alguém acende a luz? A luz clareia dentro. Então, ler não é apenas iluminar o lado de fora. Ler é lançar luz na escuridão interna também. Há momentos em que estamos inseguros, em situações ainda não vivenciadas, sem saber como agir. Ou seja, não sabemos o que dizer, o que interpretar. Mas eis que lemos um texto que narra algo parecido com o que está acontecendo conosco. Ou esclarece o fato histórico em que estamos inseridos e não nos demos conta dele ainda. Por exemplo, uma pandemia.
Ao mesmo tempo também, pode ser uma experiência que nos revira do avesso. A leitura pode apontar para estereótipos arraigados em nossa formação cultural. E até revelar preconceitos antes velados, ou destravar a chave do cerceamento de liberdade de expressão. E até estremecer valores antes sedimentados em nossa essência.
Ler é um processo irreversível de transmutação. Lançar-se à leitura é estar aberto à discussão, ao diálogo, a reconhecer nossas fragilidades e potencialidades. Lendo eu destravo portais inconscientes. Expando minha capacidade de atribuir sentidos, criando conexões entre vários assuntos, fatos, línguas, gêneros de leitura diversos.
Ler é participar do mundo. Aliás, o grande educador Paulo Freire, em sua obra “A importância do ato de ler”, escreveu: “A leitura de mundo precede a leitura da palavra.” Enquanto leitora, seja de um texto literário, jornalístico, acadêmico, humorístico, publicitário, instrucional ou imagético, eu sou a protagonista do evento. Estou exercendo e usufruindo de um direito constitucional.
E mais, estou me constituindo criticamente para me posicionar. Está intrínseco ao humano, é apaixonante, é encantador, é pertencimento, é um exercício de cidadania e é libertador!
Ao ler o outro, o texto escrito, ilustrado, narrado, declamado, eu viajo para dentro de mim e me descubro, me reconheço, me realizo.
Roberta Colen Linhares, natural de Belo Horizonte – MG, casada, mãe de Arthur e Isis, contadora de histórias pelo Instituto Aletria, e atualmente é graduanda do Curso de Letras na PUC Minas.
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