A inclusão não combina com auto piedade. Há dois fatores que impedem o avanço pela busca de direitos de pessoas com deficiência (PCDs): a lamentação e o vitimismo. A lamentação é o que nos leva ao vitimismo e essa combinação nos paralisa.
Quando optamos por lamentar, nos tornamos vítimas do destino, da vida. Conclusão, como vítimas, tendemos a ficar paralisados diante das dificuldades. Curtir, segundo definição, é conservar (alimento) em molho apropriado, salmoura, vinagre, azeite. Na vida, passamos a curtir o sofrimento, o colocamos numa conserva e estendemos a duração do que nos faz sofrer.
Minha filha autista estava no auge da adolescência e os desafios eram imensos. Certo dia, minha mãe me disse que eu estava lamentando. Por que? Fiquei furiosa. Ponderei que sou guerreira, luto, faço e aconteço. Logo, lamentar não fazia parte de minhas atividades. Minha mãe resolveu calar-se diante de minha reação.
Nesta noite, minha filha teve uma crise e só dormiu de madrugada. Fui para frente do oratório rezar. Não consegui. Chorei muito e só consegui orar depois de 1 hora. De repente, me dei conta de minha lamentação. Lá no fundinho de meu coração, considerava o desafio de ter uma filha autista um peso muito grande e sentia pena de mim.
Finalmente, entendi o que minha mãe quis dizer quando me falou que eu lamentava. Eu me acomodava numa vida de sofrimento. Consequentemente, acreditava que nem mesmo minha fé poderia dar jeito nisso. Resolvi mudar. Autismo é norte, não um sofrimento do qual não podemos sair.
Respirei fundo e mudei minha postura diante da vida. Por isso, entendi que não escolhi uma filha autista, mas que poderia escolher como lidar com isso. Para tanto, passei a olhar para o ser humano que estava diante de mim, com suas limitações e, também com suas habilidades. Determinei que iria acreditar e fornecer condições para minha menina evidenciar todo o seu potencial.
Sem comparação com ninguém, exceto ela mesmo. A cada dia, ela seria vitoriosa em um aspecto.A partir dessa postura, não havia tempo para me lamentar. Eram muitas pequenas e grandes vitórias a serem comemoradas. Logo, minha menina driblou o prognóstico dos profissionais de saúde de que seria dependente pelo resto da vida. Não, o resto da vida é muito tempo para aceitarmos o peso de uma previsão que não leva em consideração a riqueza de TODO o ser humano.
Sophia não era melhor que ninguém, é fato. Nem tampouco, era pior. Somente ela poderia me dizer até onde poderia chegar. E disse: aos 24 anos, é mestranda em comunicação social pela Universidade Federal de Minas Gerais, jornalista com 7 livros publicados e o oitavo que será lançado em setembro próximo. E, o mais importante, ela é minha parceira na descoberta e concretização desse fascinante mundo do autismo. https://omundoautista.uai.com.br/
Selma Sueli Silva é jornalista, radialista, youtuber, escritora, cineasta, relações públicas e pós-graduada em Comunicação e Gestão Empresarial. Foi diagnosticada com TEA (Transtorno do Espectro Autista) em 2016. Mantém o site “O Mundo Autista” no Portal UAI. É autora de três livros e diretora do documentário “AutWork – Autistas no Mercado de Trabalho”.
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