Jeito autista de ser diz muito de nossas características, de nosso jeito de dar forma ao pensamento. Assim, desde muito cedo, características próprias de pessoas típicas, algumas de suas estranheza, me fazem concluir algo sobre mim. Embora ainda não nha assistido ao filme Sexa, dirigido e estrelado por Glória Pires, ele já me trouxe certas provocações?
Estreia de Glória Pires na direção, Sexa conta a história de Bárbara, uma mulher que acaba de fazer 60 anos e está apavorada com o fato de estar envelhecendo. Ela passa seus dias entre o trabalho como revisora de textos e as conversas debochadas e divertidas com sua melhor amiga e vizinha Cristina (Isabel Fillardis). Já algum tempo desapontada com sua vida amorosa, depois de algumas relações frustradas, Bárbara escolhe abandonar as esperanças de tentar encontrar um novo amor. Um encontro inesperado desperta uma reviravolta em sua vida quando ela conhece Davi (Thiago Martins), um viúvo 25 anos mais jovem. Bárbara, então, precisa tomar uma decisão: viver intensamente esse novo amor ou se curvar ao medo e aos julgamentos acerca da diferença de idade dos dois.
Se você não tiver o cérebro neurodivergente, nem tente entender a lógica do gatilho que o filme causou em mim. Sou mulher autista, com a mesma idade da atriz Glória Pires.
Ela, no filme, você o drama de, dormir com 59 anos e acordar com 60. Até aí, tudo bem. Mas da noite para o dia, ela começa a sentir o peso que jogam sobre a mulher sexagenário. Cobranças, sociais, comportamentais, cuidados necessários… mas como tudo se transformou da noite para o dia? É isso mesmo?
Eu me lembro de dois momentos na minha vida, em que tive de refletir sobre meu corpo e a minha idade. Na primeira ocasião, eu tinha 55 anos. Fui a uma palestra, sentei na primeira fila. Eu tive de subir ao palco ao ser chamada a fazê-lo. Fato que tentei subir os 30 cm de altura, sem me dirigir à escada.
Oou! Soltei uma espécie de grunhido. Meu joelho e perna não sustentaram meu corpo para a subida. Acendeu uma luzinha: “preciso fazer musculação se quiser ter mobilidade nessa fase de minha vida.”
A outra situação, envolveu uma estranheza, uma disparidade que confundia meritíssimo cérebro literalmente e certamente rígido. A primeira vez que ouvi me chamarem de dona Selma. Caraca, pensei, esse não é o meu nome. Pedi que me chamam de Selma e você. A pessoa se justificou que era uma questão de respeito. Eu sei, também fazia isso, pela regra educação. Mas agora, ao ouvir dona e senhora, o chamamento estava na contramão da previsibilidade e de uma constância que me acompanhou a vida toda. Expliquei e a pessoa aquiesceu. Mas daí pra frente para frente a explicação com a dificuldade de quem a recebia passaram a me incomodar também. Embora ficasse claro, também, uma certa “norma”: depois dos 60, você é dona sim. Você é senhora sim.
Resolvi, portanto, deixar para lá e sigo, até hoje, incomodada e estranhando aquele apêndice que me forçaram a agregar ao meu nome. Como acontece com o pronome, essa forma de tratamento poderia também, ser acordada nas relações sociais. E, para aqueles que insistem em dizer que não podemos fugir ao padrão de nossa língua, eu pondero: “A língua é dinâmica, possui relação direta com a sociedade. E é a própria sociedade que produz determinadas mudanças na linguagem.”
Aliás, a jornalista Selma Sueli Silva é criadora de conteúdo e empreendedora no projeto multimídia Mundo Autista D&I, escritora e radialista. Além de ser especialista em Comunicação e Gestão Empresarial (IEC/MG), ela atua como editora no site O Mundo Autista (Portal UAI) e é articulista na Revista Autismo (Canal Autismo). Além disso,ela é youtuber dos canais “Mundo Autista” e “Filmes Para Sempre“. Em 2019, recebeu o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+. Prêmio Microinfluenciadores Digitais 2022, na categoria PcD. Também, é membro da UNESCOSOST movimento de sustentabilidade.
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