Victor Mendonça
Confesso que fiquei alguns dias digerindo os ataques recebidos por Greta Thunberg com relação ao autismo dela como meio de desqualificar seu ativismo pelas questões ambientais. Ninguém é obrigado a pensar como Greta, mas o ataque — mesmo que venha de boas intenções e preocupações genuínas — não é forma capaz de transformar positivamente a sociedade. Ao contrário, o diálogo construtivo, por meio de argumentos, pode gerar um conflito que nos leve à evolução. E para isso não podemos subestimar a capacidade de ninguém.
Dito isso, o que me deixa triste mesmo é perceber como esses ataques são carregados de estereótipos e preconceitos, seja daqueles que não acreditam que Greta seja autista por se articular bem em público, seja daqueles que a veem como uma jovem manipulada devido à sua condição. Mais que isso, trata-se de uma forma de calar uma voz que tem muito a dizer, embasada por pesquisas vindas de seu próprio hiperfoco, e não pode ser silenciada.
Toda essa ideia de que um autista que incomoda por seus posicionamentos acabe tendo seu laudo questionado ou suas próprias capacidades colocadas em xeque mexe muito comigo, porque foi o que aconteceu em minha experiência, seja como comunicador ou mesmo como paciente de alguns especialistas em autismo. Outros foram maravilhosos e tivemos um aprendizado mútuo, mas, durante boa parte do meu tratamento/ativismo, senti a visão de que o autista não tem condições de enxergar e analisar criticamente a realidade. E isso dói, porque eu mesmo era capaz de perceber a diferença entre “discurso” e “ação” de alguns desses profissionais. Você passa a ser visto como “não-pessoa”, mesmo no caso dos autistas oralizados (e imagino que seja ainda pior com os que não sejam), como um “louco” ou “ingênuo” que não deve ter suas opiniões levadas em consideração.
A tentativa de silenciar autistas nos persegue ainda hoje, em 2019, e é contra ela que devemos lutar. O que me tranquiliza, no entanto, é saber que não estamos dispostos a nos calar, mesmo com todos os ataques e perseguições, veladas ou não, que sofremos diariamente. Mesmo em tempos sombrios para a liberdade de expressão, a certeza de que ninguém vai nos calar é mais forte do que as ameaças e difamações.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.