Arte e entretenimento

Crítica: Garota Infernal (2009)

A perspectiva feminina no complexo terror juvenil Garota Infernal, escerito por Diablo Cody e com Amanda Seyfried e Megan Fox

Garota Infernal é um caso raro de obra-prima que, de tão à frente do seu tempo, foi injustamente pouco apreciada na ocasião do lançamento. O filme é um terror deliciosamente divertido e complexo ao observar experiências que são comuns à vivência de muitas mulheres, principalmente durante a adolescência. Isso porque o modo como o roteiro de Diablo Cody, que já havia mostrado brilhantismo ao vencer o Oscar por Juno, se constroi como uma mórbida fantasia de vingança, é fascinante. Afinal, as metáforas pipocam na tela e nos levam a refletir sobre temas como alienação social, a descoberta da sexualidade na adolescência e a subjugação profissional e sexual das mulheres.

Os arquétipos femininos no filme Garota Infernal

Não por acaso, a trama é narrada por uma mulher que se encontra em um manicômio, vista como alguém perigosa e com sérios distúrbios mentais. Essa personagem, Needy, ganha vida na interpretação poderosa de Amanda Seyfried. Então, a partir de flashbacks, o longa-metragem acompanha a relação entre ela e Jennifer (Megan Fox), como melhores amigas.

Ambas são muito diferentes uma da outra. Assim, enquanto Needy é estudiosa e contida, Jennifer segue o arquétipo da patricinha líder de torcida. Porém, a amizade das duas revela uma série de nuances. À roteirista, parece interessar não apenas juntar dois perfis de improvável afinidade no cinema adolescente. Mas também, investigar o que há de vivências concretas nas relações entre garotas no colégio na inspiração para esses perfis de personagens.

Obra-prima do terror feminista foi escrita por vencedora do Oscar

Tanto que, em entrevista ao Movies Online, Diablo Cody contou ter como objetivos homenagear os filmes de terror cômicos, como o clássico dos anos 80 Garotos Perdidos, que ao mesmo tempo a incomodavam e a divertiam. Ou seja, a proposta é ao mesmo tempo honrar o legado dessas narrativas, mas direcionar toda a perspectiva da história para uma lente feminina. Para a escritora, o terror usualmente tem uma lente feminista por causa das final girls. Essas são as mocinhas que são as últimas sobreviventes. Porém, isso nunca por um viés que realmente se aprofunde nas lentes femininas do mundo. Já ao Reuters, Diablo Cody destacou que ela e a diretora Karyn Kusama são feministas.

Então, havia o interesse de criar uma história que atendesse às demandas reais das atrizes e espectadoras em busca de personagens que refletissem sua vivẽncia, em vez de restringir os papeis femininos a enfeites sexualizados que predominam no terror. O resultado disso é uma análise complexa das relações entre as mulheres e o seu entorno que ressalta a intensidade dos laços femininos. Para alguns críticos, inclusive, “Garota Infernal” foi interpretada como uma obra queer. Mas, independentemente de concordarmos ou não com essa possível leitura de algumas cenas, é certo que a obra se trata de um período marcado pela morte da inocência.

Como Jennifer é possuída em Garota Infernal?

A história ganha contornos mais sombrios quando, após Jennifer ser oferecida a um ritual satânico pelos integrantes de uma banda masculina. Como de virgem não tinha nada, ela se transforma em uma espécie de súcubo. A escolha de Megan Fox, uma atriz dramaturgicamente limitada, para um papel com tamanha densidade mostra-se surpreendentemente certeira. Sua Jennifer, dessa forma, é uma resposta à objetificação que a colocou dentre as atrizes mais vistas no final dos anos 2000. Toda essa bagagem confere uma nova vida à personagem, uma outra perspectiva que se materializa no modo como a atriz lida com a sensualidade no papel. Esta, com certeza, é a maior atuação da carreira dela. Outro trunfo da produção está na trilha sonora de rock feminista e independente, com nomes como Courtney Love, para orientar os movimentos da trama.

Avaliações

Avaliação: 5 de 5.

Sophia Mendonça é jornalista e escritora. Também, atua como youtuber do canal “Mundo Autista” e é colunista da “Revista Autismo/Canal Autismo“ e do “Portal UAI“. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Assim, em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Já em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.

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