Garota de dez anos é estuprada duas vezes - O Mundo Autista
O Mundo Autista

Garota de dez anos é estuprada duas vezes

Selma Sueli Silva e Camila Marques

A importância da educação sexual para as crianças. O triste caso da menina de 10 anos e o exercício de não julgar, inclusive, nas redes sociais.

Selma Sueli Silva: Amanhã, neste espaço, e no Programa “Na real”, do canal Mundo Autista, Victor Mendonça conversa com a Andrea Taubman, que escreveu um livro muito importante para a nossa criançada, para a escola, para os pais que se chama “Não me toca, seu boboca”, que é a historinha da Ritoca. Por que estou fazendo essa chamada? Por causa do caso da garota de 10 anos que foi estuprada desde os seis anos, mas o caso só veio a público porque ela ficou grávida aos 10 anos. Ela foi encaminhada para fazer um aborto, como permite a lei e devido ao risco que ela corria. Mas uma militante de extrema direita divulgou os dados da menina e o hospital em que ela faria o procedimento, em suas redes sociais. Com isso, muitas pessoas foram para a porta do hospital para impedir que o aborto acontecesse por motivos religiosos. As pessoas têm o direito de se manifestar dessa forma? Eu acredito que ninguém tem o martelo de juiz do mundo. O importante em um momento como esse preservar a criança e orientar para que casos assim não voltem a acontecer. Camila Marques para o que você pode nos contar desse caso?

Camila Marques: É triste ter que comentar um caso desses. Mais triste ainda é ver a dimensão que a coisa tomou. Não quero exercer a função de um juiz, mas é preciso registrar que a pessoa que expôs a criança dessa forma provavelmente, fez isso para promover a própria imagem e não por algum tipo de ideal. Se for esse o caso, é mais desumano ainda. Selma, mais da metade das crianças que sofrem violência sexual no Brasil têm menos de 13 anos. É um dado expressivo que nos leva a pensar que alguém está sendo omisso. A cada oito minutos no Brasil, uma pessoa é vítima de violência sexual. Por ano, 20 mil meninas de até 15 anos ficam grávidas. em decorrência de abuso*. Por isso, eu penso que a questão do abuso e da violência se tornaram questões de segurança e de saúde pública. Esse aborto e a forma como ele aconteceu, é uma questão de saúde pública, não se trata de levantar qualquer ideologia. A criança, se tivesse mantido a gravidez, corria risco de vida. A gente tem, por exemplo, uma pessoa com pressão alta, adulta. Já é uma gravidez de risco. A criança, pelo corpo que ela tem, o risco é maior, porque o corpo da criança não está desenvolvido e preparado para um parto. Não é uma questão de achismo, é uma questão de saúde. É redundante esse debate, porque ficamos aqui falando do óbvio. Nenhuma criança, nenhuma vítima deveriam ser expostas na internet. Isso, além de desumano, é totalmente irresponsável. Ainda mais na era de “tribunal da rede social” em que nós vivemos: todos falam, comentam e, um print pode ser disparado na rede e ganhar o mundo. Em qualquer país sério, a pessoa que fez isso já teria sido presa.

Camila Marques e Selma Sueli Silva, durante gravação de As Divergentes

Selma Sueli Silva: Se pensarmos no número de pessoas que vão emitir opinião e julgamentos, percebemos que é um número muito expressivo. Quisera eu que essas pessoas tivessem essa mobilização tão ágil para proteger essas crianças.

Camila Marques: Proteção e educação sexual para as crianças são demandas urgentes. Para você que nos acompanha: a gente não está querendo falar de “vamos falar de sexo na escola”. Não. A questão é: educar sobre a sexualidade. Vamos ensinar a criança que ela não pode ser tocada por desconhecidos. Não pode ser tocada em suas partes íntimas. Onde são essas partes íntimas. Porque, infelizmente, se a criança chegou a essa situação, a esse ponto de vulnerabilidade, é porque há omissão e falhas dos sistemas sociais: família, escola, Estado. A criança precisa ser observada, cuidada, olhar se a criança está diferente, se está com medo, se está mais retraída. Alguém que convive com essa criança deixou de prestar atenção nos sinais. Falar sobre isso é utilidade pública. Abordar sexualidade com crianças é muito tenso, pelo emocional e até porque ainda temos tabu de falar sobre sexualidade, não sabemos a abordagem certa.

Selma Sueli Silva: Então se você quiser saber como tocar nesse assunto com as crianças, não perca o programa de Na Real de amanhã, sexta-feira que vai abordar o livro da Andrea Taubman, Não me toca, seu boboca.

*Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Ministério da Saúde.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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