Pensando sobre como fobia é coisa séria, resolvi escrever sobre o tema. Mas há tempos não nos encontramos neste espaço democrático, esse cantinho, carinhosamente chamado de Diversidade 50+. Enquanto isso, passou pandemia, passou a eleição presidencial, mas o tempo não parou. Alucinado, ele se infiltrou em continentes, em países, em nossas vidas. Guerra, fome, desnutrição, nada ficou de fora. Agora, muitos precisam de ajuda, muitos querem ajudar. Há uma comoção universal.
Por essas e tantas outras, nosso coração treme. Por isso, à noite, o sono não vem. Rolamos na cama e lá pela madrugada, nessa confusão, o pesadelo surge. Faz sua abordagem, pleno, absoluto e seguro de si. Aliás, como ele é criativo. Toma conta de nossos sentidos a retemperar as agruras do dia a dia, em suas situações mais apavorantes.
Nem ao menos os nossos medos mais secretos ficam de fora. Ao contrário, tomam corpo, nas mais variadas formas: Ora é um abismo lamacento – de onde não conseguimos escapar, ora são seres demoníacos que querem nos possuir. E nós, em uma suposta semiconsciência, nos debatemos, argumentamos, até. Tentamos saídas, abrimos e fechamos espaços e nada… sempre voltamos à estaca zero. Mesmo tendo a certeza de que estamos andando, gritando a plenos pulmões, mas nada é real. A única realidade é a de que estamos presos em uma horrenda teia que nos estrangula. Até que, sem nos darmos conta, acordamos. Grande alívio. Nenhuma explicação.
Assim, confesso, meu pior pesadelo, minha fobia, meu maior medo, enfim, sempre foram as taturanas. Aliás, também conhecidas como lagartas de fogo – e não sem motivo, posso assegurar. Nos meus pesadelos elas sempre aparecem, aparentemente quietas nas folhas. Mas para mim, as vejo como armadilhas, das quais eu sempre tentava para escapar. Contudo, só me livrava delas, depois de muita luta e pavor, ao acordar banhada de suor.
Dizem que nada é por acaso. E não é mesmo. A verdade é que, os meus 81 anos vividos com disposição e bom humor, não conseguiram apagar de minha memória, o meu primeiro encontro com uma dessas lagartas. Eu era apenas uma menininha quando fui queimada por uma. Entretanto, trago vivos em minha mente, todos os detalhes e sensações do pavoroso encontro. Ainda ouço uma voz que corre a socorrer: “Coitadinha da Irene, essa é muito brava e acaba de cair da árvore de aroeira! Coitadinha mesmo. Eu não fizera nada, além de passar debaixo da árvore e estava agora sentindo a maior dor até então, experimentada nas minhas aventuras pelo quintal. Um horror!
Desde então, mesmo amando plantas, árvores e flores, me mantenho muito arisca a tais seres apavorantes e “venenosos”. Nos dias atuais, eu conservo um lindo jardim à frente de minha casa, num condomínio cravado nas trilhas que levam à Serra do Cipó. Aliás, não só o jardim, com suas margaridas floridas por todo o ano, as rosas, com sua nobre beleza e cores diversas. Além de tudo isso, me orgulho das árvores nativas e do meu pomar, no fundo de minha casa. Um quintal lindo. Uma relíquia em tempos de muitos tijolos e concretos. Enfim, um lugar abençoado.
Mas imaginem vocês, que meu pior pesadelo quis se materializar, exatamente, neste meu pedacinho do céu! Sim. Há dias eu e minhas fiéis escudeiras, vínhamos notando sinais delas, as temidas lagartas. Mas, dei um desconto. Afinal, no mato é comum aparecer uma ou outra. Até aí, ótimo, convivíamos bem. Elas ali, preparando-se para sair do casulo e eu bem longe, aguardando a beleza multicolorida das borboletas.
Isso mesmo, é preciso lagartas para termos borboletas! Contudo, lembram do baobá do livro “O Pequeno Príncipe”? No livro, o principezinho arrancava diariamente as sementes “ruins” do seu planeta enquanto alimentava e regava as sementes “boas”. As ruins eram as dos baobás, que ele eliminava, por inteiro e com as raízes. Fazia isso por medo de que as árvores se tornassem grandes demais. Por exemplo, se elas crescessem muito, as raízes gigantescas destruiriam tudo. Mesmo que o baobá fosse uma das árvores mais antiga do mundo, e conhecida como a árvore da vida, da sabedoria, a guardiã das histórias e cheia de energia boa.
Pois bem, foi mais ou menos o que aconteceu comigo, em meu “pequeno mundo”. Mas como aconteceu, eu acreditava ser possível somente nos pesadelos. Milhares de lagartas surgiram de ovos colocados ali, por borboletas, em quatro árvores no quintal. Os ovos deram origem a milhares de lagartas. Milhares, sim senhor! Eram tantas que se podia ouvir o barulho delas ao mastigar as folhas. Embaixo da árvore, estava coalhado de cocô, como se houvesse sido derramado areia por ali. Tomaram conta de tudo, cobriram troncos, folhas, galhas e flores. Podia-se encher baldes e mais baldes com elas. Fiquei apavorada, petrificada, agoniada, sem saber o que fazer. Pensei em chamar os Bombeiros. Nossos Anjos da Guarda. Mas onde estou, eles ainda não chegam.
Assim, procurei uma equipe de poda. Vieram quatro homens. No entanto, eles também tiveram dificuldades. Não foi fácil. Eu estava diante de, praticamente, uma força tarefa e, ainda assim, um deles foi queimado. O que não ficou pior, pela experiência dele e pelo socorro imediato. Fato é que, à medida que eles cortavam as árvores, as horripilantes criaturas se espalhavam por outras árvores e pelo quintal. Eu observava de longe. Pensei em usar meu binóculo, mas, na minha idade, tudo é motivo de dúvidas à sanidade. Diante daquela queda de braço, (ops, lagarta não tem braço), mas diante daquela disputa, embora torcendo para os homens, eu via as danadinhas fugindo e levando a melhor.
Pensei, desolada, que nem a “praga dos gafanhotos”, relatada na Bíblia, servia de paralelo ao que acontecia no meu quintal. O que eu via estava bem à minha frente e me parecia muito mais assustador. Quase morri de tanto medo e pavor. Então, o fim do dia trouxe também, o fim do embate. Os quatro homens levaram o dia inteiro para vencer as centenas de lagartas. Não, centenas não. Milhares, mesmo.
Dessa maneira, bem cedo no dia seguinte, lá fomos nós, eu e minhas protetoras escudeiras, para uma vistoria completa. Eu não queria me arriscar mais. Entretanto, constatei que havia designado o vencedor cedo demais. Infelizmente, ainda encontramos muitas delas que se dispersaram em fuga. Mas agora está mais fácil de acabar com elas. Estou esperançosa. Hoje, encontramos somente uma. Que horror. Fico me perguntando quando vou “acordar” desse pesadelo de olhos abertos. Aliás, bem abertos!
Irene Maria da Silva, Procuradora Municipal aposentada, bisavó, avó e mãe. Ama a vida e é muito amada também.
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