Victor Mendonça e Adriana Torres*
Autista ativista e mãe de autista, Adriana Torres fala sobre o impacto das fake news nas vidas dos autistas e seus familiares.
Victor Mendonça: Hoje nossa conversa será de autista para autista com a Adriana Torres que é autista diagnosticada na fase adulta e mãe de uma criança autista de 8 anos.
Várias fake news surgiram a respeito da doença COVID-19 provocada pelo coronavírus. Acontece também com o autismo, que embora não seja uma doença, provoca um grande volume de fake news relacionadas ao tratamento. Autistas adultos e familiares, no caso da Adriana os dois; como autista e mãe atípica, eles vêm tentando fazer um ativismo que possa conscientizar as pessoas dos riscos desses tratamentos recomendados. Muitas vezes, são tratamentos que, além de não terem comprovação científica, ainda podem ser prejudiciais às pessoas.
Adriana Torres: Isso é um problema sério. Inclusive, quando começou a questão da Covid e das fake news sobre tratamento, eu até brinquei no Twitter que, enquanto eles estão iniciando essa espécie de tratamento fake news, tem gente que, nesse universo dos autistas, já está nessa de fake news muito antes de ser modinha.
Eu sou ativista de direitos humanos há mais de 10 anos, atuei em diversas causas, quando eu ainda era integrante do Movimento Nossa BH e eu nunca vi um tema, uma área onde você tem tanta dificuldade enquanto ativista na luta por direitos. Porque, mesmo dentro da própria causa, você tem várias pessoas contrárias a essa luta. Aí, entra a questão do desconhecimento, do capacitismo, que juntos acabam dando munição para os oportunistas de plantão criarem fake news para ganharem dinheiro e criarem também, o lucrativo mercado do autismo. Isso porque o autismo é uma condição que, se falarmos em termos médicos, têm muito pouco tempo de literatura.
O autismo está no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) desde a década de 1980, porém a Síndrome de Asperger** só integraria esse manual em 1994. O Transtorno do Espectro Autista em grau 1, 2 e 3, como conhecemos hoje, só integraria esse manual em 2013, o que foi muito recente. Quando eu e sua mãe éramos crianças, ainda não existia o autista grau 1. O próprio autista grau 3, que é o não-oralizado, tinha outros diagnósticos, ou sequer tinha. Esses autistas eram chamados de doido ou retardado, ou permaneciam escondidos em casa ou em manicômios. Com isso, nós temos um desconhecimento da condição, e o reconhecimento de necessidades de apoio que, muitas vezes, não é o que o autista precisa. O que acontece? As pessoas olham para o comportamento do autista e pelo comportamento tentam descobrir a causa daquele comportamento. Só que, muitas vezes, eles tomam aquele comportamento como causa, aquilo que é o autismo para eles. E não é. Se o meu filho ou eu temos uma crise, a crise não é o autismo. A crise não faz parte do autismo. A crise é o sinal de que tem algo errado, que teve o gatilho ali atrás e eu preciso correr atrás do gatilho. Mas não: muitas pessoas falam: “Eu tenho o autista ali, grau 3, que se morde, que bate a cabeça na parede, por isso que eu odeio o autismo”. Calma, isso não é o autismo. Tem algo causando isso.
Em geral, você tem um problema de dor física, você tem um problema de origem sensorial, ou comunicacional, que somado a nossa dificuldade de lidar com nossos sentimentos, de reconhecer nossos sentimentos ligados a questões sensoriais, acabam fazendo com que a gente tenha uma crise. Mas, essa crise não aconteceria se a gente tivesse um ambiente adaptado, se nós tivéssemos ferramentas de comunicação, e acima de tudo, se tivéssemos compreensão. A crise não é o autismo. Aí vem alguém e fala: “Eu vou resolver o problema do autismo. Como? Eu vou te dar uma medicação que vai acabar com a crise”.
Victor Mendonça: Muito sedutor, não Adriana? Para a pessoa que acha que a crise é o autismo, mas não é. Por exemplo: embora eu seja autista grau 1, eu e minha mãe temos um histórico de, na infância, termos batido a cabeça na parede. E a gente continua autistando por aí. A gente não deixou de ser autista, só aprendemos outro mecanismo de nos regularmos. A neurodiversidade não é contra a qualidade de vida do autista, pelo contrário, ela busca meios de meios de a gente ter mais qualidade de vida, mais compreensão, mais acessibilidade.
Adriana Torres: Quanto maior a acessibilidade, quanto maior a aceitação de quem somos, porque a autoestima é extremamente importante, tanto para o autista grau 1 quanto para os graus 2 e 3, (autoestima é importante para todo ser humano), menos crises nós vamos ter. As crises podem acontecer e a gente ser acolhido dentro delas, ao invés de sermos olhados como aberrações, de sermos amarrados, de sermos medicados de uma maneira agressiva. Eu não estou falando contra a medicação, tem medicação que é necessária. Falo de uma medicação que queira simplesmente calar o autista, para que ele deixe de ser tão autista. E o autismo é uma condição neurodiversa, é um cérebro que funciona de uma maneira diferente
. Em um mundo adaptado para o autista, em um mundo acessível, isso não é um problema.Isso mostra que o problema é o capacitismo, é a ideia de que pessoas têm que ter corpos e mentes dentro de um padrão, caso contrário, elas estão erradas e não deveriam existir. E é dentro disso Victor, que acontecem essas fake news. Nós estamos a cada dia com mais e mais medicamentos e tratamentos para uma condição que não tem cura porque não precisa de cura, e pais e mães estão caindo nessa, justamente pelo desconhecimento do autismo. E é aí que entra a importância desse canal. A importância sua e da Selma de estarem espalhando a verdade, com evidência científica e também com a práxis, que é a junção da teoria com a prática. Porque as pessoas acham que práxis é só prática. Não. Práxis é a junção da teoria com a realidade. A nossa práxis é essa, é a junção das evidências científicas com ser autista no dia a dia. O canal Mundo Autista traz essas verdades, traz essa realidade. E é a principal forma de combater as fake news. Como essa forma de ***Protocolo DAN, ****Protocolo Coimbra, dieta de glúten e caseína para quem não tem alergia, não tem intolerância a glúten, *****MMS, são tantas e tantas fake news, que só serão combatidas com a realidade, com a verdade.
Victor Mendonça: O conhecimento ele, às vezes, pode assustar a gente, mas ele nos liberta. Então, é importante trazer essa luz. Por isso, a aceitação é tão importante porque a gente consegue ser mais feliz e contribuir positivamente para a sociedade. Muito obrigado, Adriana e você volta em uma outra conversa, com a minha mãe, porque seu ativismo é muito importante.
*Adriana Torres é formada em administração com ênfase em marketing e trabalhou cerca de vinte anos nas áreas comercial e de comunicação. É ativista pelos direitos humanos há mais de dez anos e integrante da Associação Brasileira da Ação por Direitos da Pessoas Autistas, a ABRAÇA.
**Por muito tempo, a Síndrome de Asperger teve a sua classificação distinta do autismo, embora fossem essencialmente próximos. Hoje, ela tem uma classificação de autismo leve, pois a Síndrome de Asperger e o fazem parte do Transtorno do Espectro Autista, o TEA, como nós conhecemos hoje.
***Protocolo DAN. O nome vem da sigla para Defeat Autism Now (inglês) ou Derrote o Autismo Já (português) e é um protocolo com diversas ações para o tratamento do autismo, através de métodos diferentes da biomedicina, em detrimento da neurologia. Esse movimento iniciou-se nos Estados Unidos, pelo Instituto de Pesquisas sobre Autismo (ARI, em inglês), fundado em1967 pelo médico e cientista PhD Bernard Rimland.
****O Protocolo Coimbra é uma terapia que vem sendo desenvolvida desde 2002 para tratar pacientes com doenças autoimunes usando altas doses de Vitamina D.
*****Chamado de MMS, ou Solução Mineral Mestre (Miracle Mineral Supplement, em inglês) é o nome dado à uma solução de dióxido de cloro, um alvejante (lixívia) industrial. É feito ao misturar uma solução de 28% de clorito de sódio em uma solução com um ácido, como suco cítrico. Essa mistura produz dióxido de cloro, uma mistura química tóxica se ingerida ou exposto a ela causa irritação nasal, irritação nos olhos, pulmões e garganta, náuseas, vômito, dificuldades de respiração, diarreia, desidratação severa, bem como outras complicações e até a morte. O nome foi dado pelo antigo cientologista Jim Humble, no seu livro auto-publicado The Miracle Mineral Solution of the 21st Century (A Solução Mineral Milagrosa do Século 21, em tradução livre). Uma versão mais diluída da solução é vendida como Solução de Dióxido de Cloro (CDS). O MMS é falsamente promovido como suposto tratamento para o HIV, malária, hepatite, o vírus da gripe H1N1, resfriados comuns, autismo, acne, câncer, entre outros. Não há testes clínicos para verificar essas afirmações, que se baseiam apenas em relatos anedóticos e no livro de Humble.
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