Existe rivalidade entre os graus de suporte no autismo? Afinal, muitas mães de autistas que demandam maior nível de suporte e, até pouco tempo, eram chamados de “autistas severos” mostram-se críticas ao ativismo e à visibilidade que os autistas com manifestação mais sutil do TEA adquiriram nos últimos anos. Aliás, essa é uma discussão para lá de antiga.
É que, na perspectiva dessas mães, essa seria uma forma de silenciamento das vivências dos próprios filhos, que também são importantes e devem ser muito bem observadas na pauta pública. Além disso, elas argumentam que evidenciar demais o potencial capitalista de alguns pertencentes ao espectro pode afetar as cobranças em torno delas. Isso porque, para o senso comum, a imagem do autista estaria relacionada a grandes habilidades.
Portanto, quem não as desenvolve pode ser alvo de julgamentos, que incluem a superproteção materna, quando, na realidade, há razões neurobiológicas para isso sobre as quais as mães não têm controle. E, infelizmente, também há mães de autistas que demandam maior nível de suporte que questionam os diagnósticos de artistas com alta visibilidade diagnóstica, caso de Letícia Sabatella e Daryl Hannah, como se isso representasse uma banalização do TEA.
Acontece que não deveria haver uma rivalidade entre níveis de autismo. E, embora essas mães devam ser compreendidas em seus esforços diários, que por vezes são até dolorosos, culpar o ativismo autista por essa falta de visibilidade parece uma visão rasteira. Isso porque são justamente os militantes pela neurodiversidade, que em sua maioria estão no nível 1 de suporte, quem mais levanta a discussão entre produtividade social e autismo.
Ou seja, esses autistas já trazem uma discussão que beneficia todo o Espectro, ao mostrarem, junto a outras deficiências, que uma vida não deve ser valorizada nem ter direitos garantidos apenas pelo que produz. Pelo contrário, todos devemos ter as condições equânimes para viver em sociedade. Isso inclui a acessibilidade.
Por outro lado, há subgrupos de ativistas autistas que, com menos demandas de suporte e boas condições socioeconômicas, tomam para si o protagonismo da causa autista, que deveria ser coletivo. Isso, é lógico, só é favorável para quem une padrões que socialmente já garantem maior acesso. Além disso, acaba por prejudicar todos aqueles que não se encontrem no recorte de homem branco e cisgênero, com boas situações financeiras. O problema é que a subjugação a outros subgrupos, como autistas trans ou negros, se mantém no discurso até de quem se diz contra a invisibilização de autistas que precisam de maiores cuidados. I
Isso porque, muitas mães de autistas nível 3, ao caírem na infame armadilha de questionarem laudos, direcionam-se quase sempre aos mesmos alvos. Ou seja, difamam mulheres autistas legitimamente diagnosticadas que, por questões ligadas ao sexo e gênero, possuem manifestação mais sutil do TEA. Assim, o estigma e o ciclo do subdiagnóstico de mulheres autistas continuam sendo alimentados. Nesse sentido, é importante observar que o estereótipo do que seria um autista mais comprometido ainda é muito vívido culturalmente. E descarta populações em situações de maior vulnerabilidade ou manifestação mais imprecisa da condição.
Há um ditado que diz que, na guerra não há vencedores nem perdedores, só há guerra. Portanto, essas divisões e disputas de narrativas na comunidade autista costumam trazer mais desgaste às pessoas e prejuízo à causa do que criarem algo de valor. Mas, para conseguirmos uma harmonia entre tantas visões discordantes e perspectivas paradoxais, o que fazer? Ora, despir-se de pré-julgamentos e se abrir ao diálogo pacífico. Porém, tem alguém disposto a isso hoje em dia? Afinal, é isso é fácil de falar, mas difícil de fazer. Seguimos tentando!
Sophia Mendonça é jornalista e escritora. Também, atua como youtuber do canal “Mundo Autista” desde 2015. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Assim, em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Já em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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