Memórias são um tesouro, construído ao longo dos anos. Hoje, do alto de meus oitenta anos, penso como consegui enfrentar tantos desafios na vida. Além disso, como consegui transformá-los em rico aprendizado. Por exemplo, eu tive uma filha autista e não sabia. Entretanto, meus pensamentos retornam à minha adolescência. Embora hoje receba elogios, sempre me achei “uma feiosa”. Assim, minha autoestima andava sempre em frangalhos.
Contudo, a vida anda, apesar disso. E, num passe de mágica, me vi mãe de três meninas lindas, inteligentes, saudáveis. Três pérolas vindas das conchas de um mesmo mar. Mas totalmente diferentes. E eu, sempre tão atarefada, me desdobrava para que crescessem unidas e companheiras.
Contudo, pouco a pouco, percebi que cada delas, possuía suas peculiaridades que, por vezes até se confrontavam com as das outras . As duas primeiras eram mais unidas. Pareciam possuir um jeito de ser próprio, mais realista, talvez. Eram crianças que sabiam das dificuldades da vida e se empenhavam em se apoiarem. E, certamente, se esforçavam para apoiar a mãe solo que fui.
Quanto à terceira, era uma outra história. Ela fazia valer a sua meninice. Aproveitava cada segundo. Desempenhava rapidamente suas tarefas de casa e da escola para brincar. As brincadeiras da vida de criança eram seu estímulo para cumprir as tarefas ‘chatas’. Entretanto, suas irmãs, seguiam mais concretamente, a rotina de uma vida pobre e que demandava muito de todas nós.
Muito mais tarde, cerca de cinquenta anos depois, encontrei em um diagnóstico médico a explicação para o cumprimento literal das regras. Minha segunda filha era “autista”. Ela estava dentro do Transtorno do Espectro do Autismo, em uma época em que pouco se falava de autismo. Aliás, pouco ou nada se conhecia a respeito.
Assim, minha menina se viu forçada a vencer cada dificuldade apresentada por um cérebro completamente singular, por estratégias que ela mesma criou. A educação que eu dei, como educadora, foi a mesma que dava às outras. Era uma educação, com muitos estímulos, para que crescessem seguras, autônomas e felizes.
Mas não ficou só em minha filha autista. Em 2008, nasceu minha neta.
Era a minha quarta neta, filha de minha filha autista. Contudo, ainda nessa época, o autismo ainda continuava desconhecido para nós, familiares. Mesmo que soubéssemos da existência de alguns parentes esquisitos. Imaginem, até eu recebi o prognóstico das amigas de minha mãe, antes de completar dois anos: sua filha é muito esperta. Observa os detalhes de tudo. Menina esperta assim, aqui na roça, não vai ‘vingar’.Minha neta lembrava a mim, na infância. E, certamente, a mãe dela também. Aquela criança linda já se mostrava diferente. Seguia firme seu hiperfoco em determinadas coisas e se aprofundava neles, na busca de conhecimentos. Parecia quere esgotar tudo sobre o assunto.
No entanto, era pouco sociável e tinha variação de humor. Aliás, tal variação de humor nos presenteia com dias de insuperável (e insuportável, rs) enriquecimento. Além disso, apesar da alegria que nos traz, por vezes, surge, não sabemos bem o porquê, dias ‘pesados’ e de muito sofrimento.
O diagnóstico de Sophia, ocorreu mais facilmente. Até porque já havia vários estudos sobre o assunto. E, certamente, eu já sabia conviver melhor com a situação. No entanto, foram dias bem difíceis até que eu compreendesse o que é ser avó de uma pessoa autista.
Confesso que até hoje, considero a lista desse aprendizado, enorme. Porém, me esforço muito. Certamente, esse aprendizado irá perdurar até meu último dia de vida. Dessa maneira, sigo a vida. Vivendo cada dia por vez, orando sempre pelo bem estar delas, filha e neta. Juntas procuramos construir a nossa vida plena de transformações. Construindo, com paciência e muito amor, a nossa Revolução Humana.
é procuradora aposentada. Mãe de 3 filhas, tem 5 netos e 1 bisneta. É também educadora e advogada.
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