Então, eu também sou autista é a frase que mais se ouve depois que a pessoa autista cita algumas de suas características. Isso é de embrulhar o estômago. Para quem pensa que isso é empatia, eu adianto: “Não. Isso é antipatia.” Para o neurotípico que vê passionalidade nessa reação da pessoa autista, eu explico. Saber alguma coisa sobre medicina, não faz de você um médico.
Quando ouvimos as características de uma profissão ou de uma pessoa neurodivergente, temos acesso a um recorte de algo maior e mais complexo. Ser autista, por exemplo, é mais complexo que não ter noção de espaço, de ser metódico, de amar um assunto específico, de não ser sociável.
É nesta hora que devemos ouvir mais e falar menos. Afinal, se declarar também autista como forma de a pessoa se sentir mais “normal” é de um capacitismo tremendo. E, por isso mesmo, declara toda a sua antipatia.
É verdade que hoje temos muitos adultos recebendo o diagnóstico do TEA – Transtorno do Espectro do Autismo. Mas isso não quer dizer que está mais fácil ser autista. Ou mesmo que o número de autistas esteja aumentando. O que aumentou foi o conhecimento dos médicos sobre o espectro, possibitando diagnósticos também na vida adulta. Sem contar também , com a disseminação de informações mais confiáveis sobre o assunto, permitindo que mais pessoas se identifiquem e busquem seu próprio diagnóstico.
Entretanto, tentar amenizar a realidade do adulto autista, afirmando que você também é autista mostra todo o seu preconceito com relação ao conhecimento sobre o TEA. O termo “capacitismo” vem da palavra em inglês “ableism”, junção de “able”, que em português significa “capaz”, com o sufixo “ism”, que designa doutrina, teoria ou tendência com sentido pejorativo, segundo o professor Romeu Kazumi Sassaki, considerado a maior referência do Brasil em conteúdo sobre o universo da pessoa com deficiência.
A explicação faz parte da pesquisa Gênero, deficiência, cuidado e capacitismo: Uma análise antropológica de experiências, narrativas e observações sobre violências contra mulheres com deficiência, de Anahí Guedes de Mello, uma das precursoras do debate sobre o assunto no país. Assim, capacitismo é a discriminação pautada numa ideia arbitrária sobre norma e desvio, na qual as pessoas sem deficiência são consideradas o padrão, o ideal a ser perseguido, enquanto as pessoas com deficiência representam o desvio. É um julgamento que hierarquiza os corpos, impondo-lhes a experiência da subalternidade”, de acordo com o guia Como educar crianças anticapacitistas, de Mariana Rosa e Karla Garcia Luiz.
Selma Sueli Silva é criadora de conteúdo e empreendedora no projeto multimídia Mundo Autista D&I, escritora e radialista. Especialista em Comunicação e Gestão Empresarial (IEC/MG), ela atua como editora no site O Mundo Autista (Portal UAI) e é articulista na Revista Autismo (Canal Autismo). Em 2019, recebeu o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+. Prêmio Microinfluenciadores Digitais 2022, na categoria PcD. É membro da UNESCOSOST movimento de sustentabilidade Criativa, desde 2022.
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