Sophia Mendonça
Dono de uma das maiores fortunas do planeta, Elon Musk, CEO da Tesla e fundador da SpaceX, afirmou ser diagnosticado autista durante a apresentação do programa americano de grande audiência “Saturday Night Live” (SNL). A revelação tem mobilizado reações distintas de afetos e desafetos na comunidade do autismo, inclusive no Brasil. A repercussão do diagnóstico de uma figura pública extremamente notória e controversa leva à reflexão sobre pontos importantes concernentes às narrativas acerca do autismo.
A situação abre discussões para refletirmos acerca tanto de questões éticas que ajudam a desconstruir o mito de pessoa autista totalmente pura e sem malícia quanto sobre a própria ideia de superioridade (ou inferioridade) que se encontram arraigadas nas redes comunicacionais sobre autismo.
Precisamos trazer à tona outros fatores que devem ser considerados, como oportunidades e traços de personalidade, para entendermos como ele chegou no patamar em que está. Assim, o que para muitos se apresenta como um sinal de esperança, por evidenciar que existem pessoas no Espectro Autista bem-sucedidas e pertencentes às mais altas camadas sociais e econômicas, deve ser observado com cautela.
Outro ponto é a problematização em torno do termo Síndrome de Asperger, hoje englobada ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), utilizado por Musk para a declaração. Embora esse diagnóstico tenha se popularizado entre pessoas com menor nível de suporte dentro da condição autista, não é mais considerado como uma identificação separada do autismo.
Muitas vezes o nome “Asperger” é utilizado, mesmo por autistas e familiares, para minimizar características do autismo e maximizar estereótipos de genialidade. Além disso, mas não menos importante, é que vários autistas não aderem a essa nomenclatura devido a pesquisas que revelam a contribuição de Hans Asperger, que dá nome a essa manifestação do TEA, ao regime nazista.
Musk não é bilionário por ser autista nem apesar disso, e o seu autismo não o afasta dos desafios e interesses da vida cotidiana. A narrativa de alguém bem-sucedido que se enquadre ao diagnóstico de TEA é, entretanto, sedutora. Mais ainda quando se trata de uma pessoa que se encaixe em diversos parâmetros sociais normativos, os quais contribuem, inclusive, para minimizar possíveis questionamentos ao laudo por leigos (situação pela qual muitos autistas adultos revelam passar).
*Sophia Silva de Mendonça é jornalista, escritora, apresentadora, cineasta e mestranda em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG). Foi diagnosticada autista aos 11 anos, em 2008. Mantém o site “O Mundo Autista” no Portal UAI. É autora de sete livros e diretora do documentário “AutWork – Autistas no Mercado de Trabalho”. Em 2016, recebeu o Grande Colar do Mérito Legislativo de Belo Horizonte, a maior honraria do legislativo municipal, tornando-se a pessoa mais jovem a receber essa homenagem.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.