E quando a criança autista é destratada nos ambientes cotidianos? Hoje nós vamos falar sobre esse assunto desconfortável, mas necessário. Ou seja, vamos abordar a possibilidade de crianças autistas receberem maus tratos em escolas, que é o ambiente onde elas deveriam ser acolhidas. No entanto, ocorre de elas serem discriminadas por não terem respeitados os direitos que elas têm resguardados.
Criança autista é desastrada na escola
Este tema teve como motivação uma reportagem que eu vi sobre o caso de um menino que sofreu maus tratos na escola onde ele estudava. Afinal, essa história dialoga com algumas experiências que eu vivi ao longo da minha trajetória como autista, principalmente na infância. Ou seja, na fase em que além de ter essa questão de ser autista, tinha como limitador eu não poder me expressar tão bem quanto eu me expresso hoje.
Afinal, como adulta, aprendi uma série de estratégias para me comunicar melhor e fazer meu ponto de vista ser mais respeitado. Mas, quando criança, aquela pessoinha autista está tentando se adequar ao mundo. Ou seja, está buscando lidar com uma série de estímulos que são inclusive sociais. Portanto, há muita gente, muita informação, muito barulho, muito visual. Além disso, há muita linguagem, em nível de brincadeiras, de comandos que muitas vezes não a criança não entende. Isso tudo complexifica a vivência da criança autista quando está buscando interagir ou estar numa escola.
Criança autista é desastrada, mas comportamento é comunicação
Por exemplo, lembro-me que, no início da adolescência, o psiquiatra falou que como autista eu gastava duas vezes o esforço de uma pessoa típica para fazer as mesmas atividades. Afinal, primeiro tinha que decodificar aquele mundo, traduzir aquilo para uma linguagem que eu compreendesse. E aí sim, fazer o que todo mundo faz.
Então, infelizmente, não é incomum ouvirmos relatos sobre crianças que são destratadas na escola. Afinal, o senso comum não faz um bom juízo a comportamentos mais rebeldes ou agressivos. Mas, aqui eu não estou fazendo julgamento de valor se a criança está certa ou errada em determinado posicionamento. Nem se a criança é bem educada ou mal educada. Na verdade, a criança está em um ambiente de adultos e são eles quem tem que assumir a responsabilidade de não julgar. Afinal, ninguém gosta de ser julgado. E não é à toa que todas as religiões falam da importância de não julgar.
O papel dos adultos na educação de crianças autistas
Além disso, os adultos precisam dar o suporte para a criança desenvolver o máximo do potencial. Então, se ela está com algum desconforto, alguma dificuldade que a impede de se comunicar bem e faz o que parece uma birra, a gente precisa compreender, de verdade, o que está acontecendo. Para isso, comportamento é comunicação.
Então, não é porque aquela criança autista parece birrenta, mal educada, chata, que ela precisa de limite no sentido mais rigoroso da palavra. Afinal, a gente fala tanto que autistas são rígidos, mas no mundo real a história é outra. Essa criança autista, o que ela vai precisar é de suporte, porque uma deficiência é uma característica da pessoa que esbarra em uma limitação do ambiente e isso gera um prejuízo funcional. Então, essa pessoa precisa estar em equidade, precisa estar nas mesmas condições dos outros e, portanto, é necessário suporte.
Respeito na escola é o remédio cotidiano para crianças autistas
Portanto, a escola precisa reconhecer as características diferentes de cada aluno. Também precisa, sobretudo, respeitar. É que a gente já tem uma legislação que ampara isso, a questão de que só o laudo de autismo já basta para a pessoa ter assegurado os direitos de ser autista.
Parece complicado, e é. Mas quem diz que viver é fácil, né, gente? Porém, vamos lembrar de prezar o outro. Isso é algo que no budismo a gente fala muito e, em outras religiões, também é dito coisas semelhantes, como amar o próximo como a si mesmo. Assim, respeite sempre as pessoas e dê a elas a oportunidade.
Já no caso de um adulto com uma criança, é até crueldade você colocar essa criança como se ela fosse a pessoa cruel. Afinal, você tem que dar as ferramentas para essa criança ter a melhor qualidade de vida e retribuir para ela ser realmente um valor para a sociedade quando ela crescer.
Por exemplo, eu era uma criança extremamente insuportável e tinha crises horrorosas. Porém, é porque não desistiram de mim e me deram as ferramentas para ter qualidade de vida que hoje eu não tenho mais essas crises dessa forma. Além disso, sobretudo, eu consigo retribuir com gratidão e com o meu trabalho, com o meu esforço. Assim, isso que fizeram por mim, eu consigo retribuir para toda a sociedade, como comunicadora, como desenvolvedora, como pesquisadora.
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Autora do Artigo
Sophia Mendonça é uma youtuber, podcaster, escritora e pesquisadora brasileira. Em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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