Hoje comemoro dois anos da cirurgia de redesignação sexual, o meu encontro com a minha verdadeira identidade, no mês do orgulho LGBT. Eu às vezes tenho medo de acordar e descobrir que tudo isso foi um sonho. Na verdade, eu ainda tenho pesadelos com meu corpo antigo.
A minha memória mais antiga da vida é de quando eu estava com três anos de idade e disse à minha mãe que era uma menina sendo tratada como menino, mesmo sem ter noção do que era ser trans à época. Daí, eu passei a minha infância e pré-adolescência tendo pesadelos com pelos crescendo em meu corpo, com meus traços físicos se masculinizando.
Então, na adolescência, surgiu o medo de ir à praia e, também, o confronto com “especialistas” que se resguardavam de um pretenso conhecimento e autoridade científicos para justificar práticas absurdas e baseadas em achismos sem o menor fundamento. Veio o bullying na escola pela feminilidade, a fobia social que transformava meus dias em um sofrimento interminável. Uma dor que se tornava ainda mais insuportável com os comentários machistas do meu padrasto e a impossibilidade de me expressar como era. À noite, bastava apagar as luzes para chorar no ouvido de mamãe, minha única confidente. Conquistava titulos, prêmios e projeção profissional mas, de alguma forma, continuava profundamente infeliz.
Afinal, faço parte da letra mais violentada do LGBTQIAPN+. Todo mundo pensa que tem o direito de dizer que isso não existe ou rotular como decadência moral. Foi graças à minha pratica budista que tomei coragem para transicionar, em 2020. Eu estava cansada demais, não aguentava mais. Dois anos depois, no dia 25 de junho de 2022, eu deixava para trás esse passado de sofrimentos que pareciam ser incessantes e insuperâveis.
Quase morri na cirurgia, tive que contar com ajuda financeira de minha mãe, avó e madrinha para passar pelo pós-cirúrgico, que foi bastante trabalhoso. Mas, se eu morresse naquela mesa de operação, eu morreria feliz. Como diz Nichiren Daishonin, ‘descartar o superficial e despertar o profundo exige coragem’. No Budismo, Hosshaku Kempon significa abandonar o transitório e revelar o verdadeiro. Por isso, o orgulho. Sou feliz!
Sophia Mendonça é jornalista e escritora. Também, atua como youtuber do canal “Mundo Autista” e repórter da “Revista Autismo“. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Assim, em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Já em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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