Quando eu comecei a trabalhar, a vida dos jovens que me cercavam meu intrigou. As idades variavam de 18 a 25 anos. Tinha uma pessoa com 29. Mas para a gente, ela era velha demais. Esses jovens amavam sair nos fins de semana. Já na segunda-feira, começavam a combinar para onde. Sempre me convidavam. Entretanto, eu nunca ia. Mais tarde, descobri que era por causa da diversão e autismo, uma mistura atípica.
Eu nunca aceitava os convites. Era um misto de medo do novo, sentimento de inadequação e o mais grave: eu temia que eles me conhecessem de perto. Tinha a impressão de que todos que se aproximassem de mim iriam se decepcionar. Passei assim, a observá-los mais para tomar coragem. O esforço que eu fazia para me relacionar, me deixava exausta durante dias.
Foi quando percebi o quanto não fazia sentido a relação trabalho e diversão. Era como se um excluísse o outro. Assim, a rotina deles era estranha. Afinal, eles trabalhavam e reclamavam durante toda a semana. Durante o almoço, na fila do cartão de ponto, eles riam e comentavam sobre a aproximação do fim de semana. Então, só voltariam a sorrir no final do expediente. Contudo, a partir de quinta, começavam a ficar eufóricos. Era a proximidade da sexta à noite.
Certo dia, me armei de coragem e saí com eles. Socorro! Fomos a um barzinho. Era impossível ouvir o que eles falavam comigo. O som era alto. Aliás, parecia que o normal era conversar gritando. Foi um sacrifício cumprimentar um por um. Além, claro de tentar entender o que diziam. Em vão. Meus colegas pareciam não se importar. Quanto mais bebiam, mais riam e mais elegiam um alvo para o ataque: uma mulher desacompanhada (ou não!).
Não pensem a forma de me referir ao alvo das investidas de meus colegas seja grosseira. Mas é que parecia ataque mesmo. Eles discutiam a estratégia.
Então, partiam para rumo à conquista. TODOS agiam da mesma maneira. Parecia um modus operandi combinado anteriormente.Contudo, não percebi muito sentido em ficar por ali. Eu não bebo e conversar, nem pensar. Chamei um táxi e fui embora. Um amigo queria me acompanhar. Achei bobagem. Parecia que ele estava se divertindo.
Na segunda, meus colegas chegavam com aquela cara de que passaram a noite em claro, bebendo. Reclamavam que a semana seria longa. Mas, à tarde, já estavam programando o próximo fim de semana.
Em outras palavras, quero dizer que não entendia o sentido daquilo tudo. Por que passar uma semana inteira, trabalhando, infeliz? Ou seja, eles deixavam para ser feliz somente no fim de semana. Aí sim, era o momento das festas dos namoros e da bebida. Logo, é verdade que diversão e autismo é uma mistura atípica.
Anos mais tarde, já adulta, percebi que o foco dos colegas havia mudado, mas a forma não. Homens e mulheres, no trabalho, estavam sobrecarregados, semblantes pesados. Até com um certo ar amarelado, eu diria.
Entretanto, pareciam não se importar. Afinal, as férias estavam próximas. Eles já haviam planejado a viagem, a hospedagem, os locais a serem visitados. Aí sim, seriam felizes. E, o mais importante, segundo a ótica deles: Teriam registros suficiente para passarem os próximos meses, demostrando aos colegas como havia sido mágico o período de férias.
E eu? Eu continuava (e continuo) sem entender. Essa equação não se equilibra. São 30 dias de felicidade, contra 300 e tantos dias de aborrecimento, rotina e expectativas para voltar a ser feliz. No próximo feriado, no fim de semana prolongado ou, finalmente, nas férias.
Texto de Selma Sueli Silva
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