Hoje o tema é dicas de habilidade social para autistas. Isso porque me pediram para fazer um conteúdo sobre esse assunto. Porém, eu fiquei tipo, “meu Deus, habilidade social e eu na mesma frase? Não tem não no meio? Como assim? Não tem não no meio?”.
Aí eu fui comentar com a Radija Ohanna, que é a diretora dos vídeos do Mundo Autista. Então, ela falou: “Sophia, mas você é mais social que eu!” O que? É. Tem uma questão de auto percepção que às vezes as pessoas autistas têm que trabalhar. Ou seja, muitas vezes o modo como a gente se vê na socialização não bate com o que as pessoas nos vêem. Isso pode ser no sentido positivo, de intimidade mesmo, que é quando você se vê como uma pessoa muito sociável. Afinal, você acha que “fulano de tal me adora, meu amigo”. E, na verdade, trata-se de uma relação comum. Assim, puramente burocrática por algum motivo.
Mas, também há aquele caso em que a gente desenvolve mecanismos de cópia. Ou seja, masking, camuflagem social. Portanto, autistas podem desenvolver uma habilidade comunicativa e de linguagem que não é esperada em uma pessoa com essa condição. E que pode até superar o de uma pessoa típica. Isso ocorre em muitos casos.
Então, se descobre uma comunicadora. Daí, todo mundo acha você super comunicativa, super sociável. Isso todo mundo acha, menos uma pessoa, quem é a pessoa? Você! Falo isso porque a comunicação sempre foi um objeto de interesse meu.. Ou seja, um foco mesmo, desde a infância. Afinal, eu gostava muito de mídia; Tanto que depois eu fui fazer Jornalismo e mestrado em Comunicação, Territorialidades, e Vulnerabilidades. Tudo isso para entender esses processos da conversação cotidiana entre as pessoas. Isso porque ter uma conversa no dia a dia era muito difícil para mim.
Então, eu não sabia iniciar um diálogo. E mesmo hoje, eu ainda tenho dificuldade de saber a hora que eu tenho que parar. Ou que eu tenho que cortar, que acabou. Só que eu aprendi uma coisa nesses anos todos de estudando a comunicação. Assim, como comunicadora e como pessoa que conversa com outras, eu aprendi que o importante é você se preocupar com a mensagem.
Ou seja, o foco é a mensagem que você deve passar. Portanto, inclui a maneira como você vai transmiti-la. Esta não necessariamente é uma maneira literal, concreta, como nós estamos acostumados como autistas. Por exemplo, eu achava muito estranho, eu ainda acho, na verdade, quando uma pessoa fala: “Sophia, você quer fazer tal coisa, quer pegar uma água para mim?”. Afinal, dá vontade de responder: Não, eu não quero, não, eu estou aqui assistindo a um filme, por exemplo, eu não quero pegar nada para você, quero assistir ao meu filme e que você não me irrite enquanto isso.
Mas na realidade, quando a pessoa pede isso, ela está solicitando. Ou seja, literalmente seria: eu preciso que você pegue algo para mim. Então, nem é um pedido, exatamente. Isso porque tem uma questão social de constrangimento. Portanto, se você não fizer, ela vai pensar, mas por que ela não fez uma coisa tão simples?.
Este é um processo muito mais complexo do que a gente pensa num primeiro momento. Além disso, a comunicação se dá na troca entre as pessoas. Ou seja, ela ocorre em situação social. Então, eu percebo muito nessas interações que as pessoas, às vezes, fazem longos discursos sobre uma determinada coisa. É tipo assim: gente, ontem eu vi um filme maravilhoso sobre isso, isso, isso, e no meio tinha uma pessoa que fazia exatamente o que você faz, e ela levou ferro, mas o filme era maravilhoso, muito emocionante.
Você como autista, você vai entender literalmente. Portanto, vai achar que a pessoa está querendo te contar que viu um filme emocionante e lindo. Então, você não vai pegar a sutileza. Afinal, aquela conversa, necessariamente, se dá em uma relação com o contexto. Então, na verdade, o que a pessoa quer dizer? Ora, ela quer te passar algum recado. Portanto, quer reforçar que você teve uma atitude próxima àquele personagem. E, principalmente, que esse comportamento não deu certo. Porém, as pessoas pensam em uma maneira mais estratégica de falar isso.
Isso é uma falsidade. Mas, não é necessariamente algo ruim. Na verdade, é social. Isso porque ninguém gosta que você chegue e vá criticar a pessoa do nada. Então, primeiro tem que fazer um elogio, para depois chegar na crítica. Tudo isso são estratégias que a gente vai criando. Afinal, as pessoas guardam muito o começo e o final de uma frase.
Então, eu tenho que pensar, quando vou ser banca de um trabalho, que a parte mais desafiadora do percurso, eu vou colocar no meio. Essa é a parte que a pessoa realmente pode melhorar e que é o recado. Afinal, é o que ela pode fazer no futuro com aquele trabalho. Porém, o elogio, que eu realmente achei e que portanto é pré-requisito na minha fala, vai estar no começo.
Já no final eu vou voltar a elogiar, se houver méritos. Isso porque a pessoa teve todo o esforço para fazer aquilo. Então, eu vou ressaltar o ponto positivo sempre. Isso é um combinado que eu tenho comigo. Ou seja, ser presença amorosa na vida das pessoas.
Dessa forma, há várias estratégias que a gente, como autista, pode ter. Inclusive acompanhamento terapêutico, terapias que criam histórias de situações sociais, no contexto da conversa com psicólogo mesmo. Também, a gente pode fazer teatro. Isso ajuda muito. Eu fiz e mudou a minha vida. Porém, é claro que teatro exige outras coisas. Pelo menos o teatro profissionalizante que eu fazia requer um vigor físico que já não era tanto o meu caso.
Então, há várias abordagens que são funcionais nesse sentido de dar à pessoa autista mais ferramentas para ela ser como ela é. Dessa forma, ela pode interagir melhor com os outros. Além disso, pode ser respeitada por essa vida única e singular que é. Também, conseguir comunicar o que essa vida única e singular tem para comunicar com o mundo.
Sophia Mendonça é uma youtuber, podcaster, escritora e pesquisadora brasileira. Em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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