Victor Mendonça e Roberto Mendonça
Neste Mundo Autista especial do Dia dos Pais, Victor conversa com o pai, Roberto Mendonça, ex-marido e pai de autistas. É complicado para o pai ter filho neurodivergente?
Victor Mendonça: Roberto Mendonça é jornalista, escritor, editor, músico e artista gráfico, considerado por Roberto Drummond* como o “pé de coelho” da crônica. No entanto, para mim, a maior credencial dele é ser meu pai. Essa relação, como todo relacionamento interpessoal, envolve uma construção diária. Embora seja algo que venha desde sempre, a gente vai se aprofundando nessa relação à medida que eu vou amadurecendo.
Você se casou com uma mulher autista sem ninguém saber desse diagnóstico à época. E aí eu nasci, também autista. Como você recebeu o meu diagnóstico e de que maneira as estratégias que você usava para lidar com a minha mãe puderam ser utilizadas comigo?
Roberto Mendonça: Não foi fácil, até porque já faz alguns anos. Eu fui aprendendo aos poucos, a conviver com essa situação. Obviamente, a gente erra muito e vai aprendendo. Com o tempo, as coisas foram melhorando e tudo se tornou mais fácil. O caso da sua mãe, em particular, foi surpreendente, porque ela foi diagnosticada adulta. Hoje eu entendo o porquê de certos comportamentos e características dela. Tudo é o tempo e, à medida em que vamos aprendendo, vai facilitando o entendimento. Hoje eu percebo uma linha de evolução porque, quanto mais a gente compreende, mais fácil fica a nossa comunicação.
Victor Mendonça: Você editou todos os meus livros. Nessa construção da relação entre nós, isso se revelou surpreendente de alguma forma para você me conhecer melhor?
Roberto Mendonça: Foi surpreendente no sentido de que você tinha uma capacidade de concatenar ideias e colocar isso no papel muito grande. Essa facilidade para escrever era algo mais à frente da média. Tive a oportunidade de trabalhar editando e revisando textos de diversos autores em jornais e livros. Então, com mais de 30 anos de experiência na área, eu conhecia os tipos de erros característicos das pessoas ao escrever. Você não tinha isso, desde o primeiro livro publicado, aos 18 anos, ainda muito novo. É claro que o escritor está sempre em formação e evoluindo, mas você já começou acima da média. Foi uma surpresa muito agradável e, obviamente, uma forma de eu conhecer melhor os seus problemas e ideais, o que você queria compartilhar com os leitores. Tudo isso facilitou o entendimento sobre você e a nossa própria convivência.
Victor Mendonça: Quando a gente fala sobre paternidade atípica, a gente abre o leque para a diversidade como um todo. O filho não é um espelho do pai. Ele tem suas próprias características e personalidade. Muita gente elogia a maneira como a nossa família lida com a minha orientação sexual. Para você foi difícil, considerando os medos de sua geração?
Roberto Mendonça: Eu acredito que o caso não são homens dessa ou daquela geração. Penso que é o caso de homens capazes de serem afinados com o tempo ou não. Cada um de nós tem a sua orientação, tanto sexual, quanto intelectual e política. Cabe ao outro respeitar isso. Ninguém é juiz de ninguém nem é melhor do que ninguém porque tem esta ou aquela observação. Essas questões devem ser vistas com naturalidade e as pessoas, independentemente da orientação, devem se preservar em todos os sentidos e compreender que nem sempre isso vai ser entendido. Vai sempre ter gente que respeita e gente que não respeita. Quanto menos gente tiver – à medida em que vamos evoluindo culturalmente – que alimente algum preconceito, melhor. Eu não vejo problema nisso. Eu vejo problema é no fato de as pessoas se acharem melhores do que outras por causa de determinada orientação, seja ela qual for. Não existe isso. O ser humano deve ser analisado por virtudes como o caráter, a capacidade de respeitar os outros, a generosidade, os sentimentos nobres, e não pelo sexo, orientação política ou time de futebol. São coisas que não merecem muita atenção.
Victor Mendonça: Essa naturalidade é algo que me encanta e quando você fala de ter maior informação e conhecimento para eliminar os preconceitos, seja sobre autismo, sexualidade ou orientação política, vem do fato de você ser estudioso de grandes filósofos. Leu de Nietzsche a Schopenhauer, por exemplo. Nós dois temos uma afinidade cultural muito forte, ligada a cinema e música. Você segue o Budismo de Nichiren Daishonin da Soka Gakkai Internacional, assim como eu. Como essa mistura de espiritualidade, cultura e base filosófica pode ajudar numa relação?
Roberto Mendonça: Eu aprendi muito como editor de livros e em outros trabalhos que faço. Um desses aprendizados veio de editar livros de pessoas muito diferentes, seja com relação à visão de mundo ou a religiosidade. Cada um vai ter uma religião que lhe atenda, de acordo com a sua capacidade cultural de compreensão. O importante é que essa religião construa uma pessoa melhor, que pessoa possa se aprimorar em todos os sentidos de sua própria vida. Para mim, importa menos se o sujeito é ateu ou um católico fervoroso ou protestante. O que importa mais é que, o que quer que ele seja, faça dele uma pessoa cada dia melhor. Isso é o importante e também, que a boa fé das pessoas não seja religiosa.
Eu não quero mensurar as convicções religiosas de ninguém. Neste sentido, toda religião pode ser boa ou ruim. O budismo me agrada porque busca muitos fundamentos científicos. Ele é diferente de outras religiões e talvez nem seja exatamente, uma religião. As ideias dos mentores e do Buda Original são muito interessantes, assim como os dez mandamentos de Cristo. Se todos nós os seguíssemos, esse mundo seria uma maravilha. Então, eu vejo que o budismo tem muito a oferecer mesmo para quem não seja budista. Nesse sentido, é interessante que essas pessoas compreendam um pouco do budismo também. O que não se admite em nenhum caso é o radicalismo, que a pessoa extrapole alguma barreira da realidade e se transforme em alguém fanático. O que não se pode é transformar a fé em fanatismo. Eu fui batizado na igreja católica, na tradição dos meus pais e li a Bíblia completa. Acho fantásticas as ideias de Cristo, mas também gosto muito das ideias do Budismo de Nichiren Daishonin. Todas essas manifestações, se forem utilizadas da maneira correta por seus ministros, bispos e padres e discípulos, só tem a ajudar.
As questões dos estados de vida que o Budismo retrata são muito corretas, porque eles definem os momentos pelos quais uma pessoa pode passar para o declínio e para o sucesso. Tudo de bom e de ruim que a gente faz ou pode fazer está definido ali, o que é muito interessante.
Victor Mendonça: Estamos em quarentena, sem nos vermos há quatro meses e estou morrendo de saudades…
Roberto Mendonça: Eu também, filho. A gente nunca ficou tanto tempo sem se ver e é muito difícil não só para nós. Tem muita gente passando por isso. Temos que seguir as orientações e fazermos a nossa parte. Eu sou uma pessoa que, pela faixa etária e condições orgânicas de saúde, tenho que tomar todos os cuidados possíveis. Na verdade, isso vale para todo mundo. Mesmo os jovens saudáveis podem ser transmissores mesmo que não manifestem os sintomas da doença. Então, a gente tem que segurar mais um pouco. Acredito que isso está acabando. Eu fico observando essas curvas e a gente está passando por um período de estabilidade com uma tendência de queda. Eu acho que a hora agora é de a gente redobrar os nossos cuidados e não acharmos que somos invencíveis.
Segundo os médicos, esse vírus morre em três dias no máximo (72 horas). Não é difícil acabar com ele, porque se ele não tiver quem infectar, ele morre. Quer dizer, ele vai diminuindo… Também tem a possibilidade da vacina. O que me chama atenção é: o que são quatro meses? A gente lembra da Europa em Guerra, por exemplo. Por quanto tempo as pessoas tiveram que ficar isoladas, em meio a bombardeiros e destruições. Outra coisa que a gente não pode esquecer é que pessoas como nós, somos privilegiados de podermos ficar em casa, cumprindo a quarentena com certo conforto e sem transtorno.
Eu compreendo e me preocupo com as pessoas que não tem como ficar em casa e tem que trabalhar, enfrentando ônibus lotados e outros problemas. A gente não pode esquecer de que é um privilégio, hoje no Brasil, passar por esse período com conforto e sem dificuldades. Realmente, fico muito preocupado e torço para que haja realmente uma solução breve, uma vacina. Quero ver essas pessoas voltarem a ganhar o seu pão de uma maneira que não seja tão desgastante e insegura como está sendo. Isso quando conseguem trabalhar. Tem muita gente na área cultural que não está conseguindo nada, as pessoas estão “se virando” e passando muito necessidade. Vamos torcer para que isso passe. A gente tem como vantagem a tecnologia que permite que a gente se comunique, o que minimiza a questão, embora não a resolva completamente. Eu gostaria de te ver pessoalmente. É sempre um prazer conversar com você, poder ver ser rosto e seu olhar.
*Roberto Drummond: Nasceu em 1933 e faleceu em 2002. Foi jornalista, cronista e escritor. É autor de “Hilda Furacão” que foi adaptado do romance para a televisão em 1998.
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