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De mulher e mãe autista, para mulher e mãe autista

De mulher e mãe autista, para mulher e mãe autista. É assim que preciso falar com você. Estou aqui lendo suas palavras e lágrimas silenciosas me escorrem no rosto. Depois de tanta busca, finalmente, o diagnóstico. Com ele e tudo o que ele representa, vem a explosão de sentimentos, você me relata. “Agora, teremos uma direção. Por que não me ouviram? E ainda, por que a invalidação ao que eu apresentava como evidências? Por que o descaso ao meu próprio diagnóstico?”

Tudo isso parece menor diante da constatação do autismo. Mas não é. Nós, mulheres autistas, temos a assertividade, a responsabilidade e justiça como mola propulsora de nossas ações. Acaso a invalidação é uma tentativa de apagamento? Apagamento, talvez, de nossa própria história. Se não há história, não há responsabilidade ignorada. Embora, a escolha desse caminho nos cause traumas e sofrimentos. Mas, afinal, quem somos nós? Mulheres sensíveis demais. Que fantasiam demais. Mas não era fantasia, não é mesmo?

Diagnóstico da mulher autista

O laudo técnico expôs e endossou a verdade. Uma verdade que você já sabia e não apenas intuía. Aconteceu com você e com tantas outras mulheres que você conhece e já conheceu. É quando você se lembra das necessidades maiores de todas essas mulheres. Até da realidade que não nos dá acesso ao suporte de que precisamos. O que, certamente, resultou em sofrimentos brutais.

Se ao menos esse apoio, esse suporte dependessem somente das pessoas que ela ama e que a amam também… Nesse momento, você se lembra de pessoas próximas que não deram crédito ao seu próprio diagnóstico. Para quê? Perguntavam elas. Você é adulta, admirada por todos, com profissão definida e respeitada, marido maravilhoso, filhas espertas e saudáveis. Para que? Deu certo para você e dará para sua menina também.

A sociedade desqualifica o autismo na mulher

Mas lá no fundo você sabe. Não foi bem assim. A menina tímida, que tentava sempre agradar para caber, adequar, existir, muitas vezes, chorou sozinha sem quem a compreendesse. Contudo, para os outros bastava você cumprir as regras que tudo daria certo. “Dá certo para todos, não percebe?” Eles ditam como verdade absoluta. “Deu certo para você. Eles insistem.”

Certo? É só olhar à nossa volta, olhar para uma sociedade fragmentada em que a medida é o poder e o dinheiro. Porque se fosse a alma serena, a paz de espírito, a leveza da ação que constrói -, todos se sentiriam fracassados. Alguns até se iludem de que não são. E outras tantas almas, como nós, sabem que nossa identidade nos foi negada e se não evoluirmos rapidamente, nos será, também, roubada. Ao final, o desejo de ‘pasteurizar’ o ser humano. Lidar com a massa é mais conveniente. Ocorre que lidar como nossas diferenças, nossas humanidades é o que constrói, que nos permite avançar com leveza, paz e muita alegria.

O suporte para a mulher autista

Você me disse que dói a constatação de que sua menina “precisará de maior apoio por muitos anos. “Minha filhinha tem fragilidades e a vida pode causar mais dores. Essa vida que é avalanche de dificuldades.” Você está certa. É isso mesmo. Porém, (e ainda bem que os poréns existem), nada é um mal em si. Nossas fragilidades podem se tornar nossa força, conforme aprendemos a lidar com elas. Nada será igual ao que foi para você. E nem ao que foi comigo. Sabemos da importância da descoberta precoce para o direcionamento correto.

Muitas orientações que valem para neurotípicos, não valem para nós. Assim, com sua pequena será diferente. Você a conhece e a descobre cada dia mais. Esse é o requisito para cercarmos o que pode ser cercado. É dela, de sua pequena, que virá o direcionamento para suas ações e de outras pessoas. Ela não precisará se esconder sob a capa de uma pretensa normalidade. E nem poderia. Ela é única, criativa, espoleta, amiga e muito curiosa. De resto, o tempero vem dos desafios oferecidos pela vida a todos nós. Não há o que temer, embora a gente continue com medo desses desafios. Você vai mostrar a ela todas as ferramentas necessárias diante da imprevisibilidade da vida.

É preciso educar a sociedade

Não, amiga, não limite seu choro. Não me diga isso. Ele é necessário para que depois, fatigadas, levantemo-nos e, corajosas como nos fizemos, possamos viver essa vida que nos foi reservada. E que exige da gente a coragem descrita pelo poeta, e também a força que extraímos de nosso âmago e da compaixão e gentileza aprendidas em nossas escolhas por esse caminho afora.

Ah, e ainda, sobre o autismo, a psicóloga, na verdade, não “enxerga isso na sua filha”. Ela como você, enxerga a sua filha, plena, como ela é. Com todas as suas características. E é isso que importa para seguirmos em frente.

A sociedade ainda está em processo de educação. Por isso, é tão complicado compartilhar essas descobertas até com amigos antigos. É provável que eles queiram consolar você negando as características que tornam sua filha essa pessoinha que ela é. Isso se chama capacitismo, que teima em nos invalidar sob a veste distorcida da empatia. Perdoe-os. “Eles não sabem o que dizem.” E depois os eduque, um a um. Com benevolência e a paciência que só nós, mulheres e mães autistas temos.

O masking na mulher autista

Você conhece alguém, “uma querida”, como dizem aqui no Sul, que criou um mascaramento tão forte, que ela sente que enganou até a neuropsicóloga. Tarefa facilitada pela superdotação associada. Você me disse: “Todas suas dores reais de limitações sociais, compreensão do outro, foram invalidadas.” Sinto muito, sinto tanto! Contudo não se esqueça, a família que você e seu marido criaram é a fonte na qual sua garotinha irá se alimentar para sentir orgulho de suas características.

Sua pequena saberá lidar com esse mundo que comete a invalidação de forma contumaz. Na curva de meus 60 anos, tendo tido o diagnóstico tardio, eu sei que esse “levantar-se só” é angustiante e solitário, como foi pontuado por você. Entretanto, ao levantar-se só, você descobre seus verdadeiros parceiros. E você irá encontrá-los na família, na escola, em alguns amigos. Poucas, é verdade, mas preciosas pessoas. A construção do apoio e do suporte necessários à sua menina, começa a partir daí. Não são privilégios. São ajustes necessários para o tratamento equânime em sociedade.

Futuro e esperança

O futuro sempre nos é apontado por nossa esperança. E como você mesma prevê, precisamos construir um “mundo justo sim, porque esse mundo é feito de misturas humanas lindas e precisamos validar todas elas” Obrigada, minha querida, pela confiança da partilha. Seguimos juntas e mais fortes. Receba meu abraço acolhedor e, ao mesmo tempo, repleto de esperança e gratidão.

Selma Sueli Silva é criadora de conteúdo e empreendedora no projeto multimídia Mundo Autista D&I, escritora e radialista. É também especialista em Comunicação e Gestão Empresarial (IEC/MG). Além disso, ela atua como editora no site O Mundo Autista (Portal UAI) e é articulista na Revista Autismo (Canal Autismo). Em 2019, recebeu o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+. Prêmio Microinfluenciadores Digitais 2023, na categoria PcD. E é membro da UNESCOSOST movimento de sustentabilidade Criativa, desde 2022. Como crítica de cinema, é formada no curso “A Arte do Filme”, do professor Pablo VIllaça. É mentora para uma comunicação eficaz e um diálogo construtivo nos Relacionamentos Interpessoais, Sociais, Familiares, Profissionais e Estudantis.

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