Nunca Fui Beijada é uma comédia romântica adorável e de fácil identificação para quem passou pelos dilemas da adolescência. Além de ser fofo e simpático, o filme surpreende por trazer um olhar mais sensível ao já muito explorado tema do colegial nos Estados Unidos. E, é claro, tem em Drew Barrymore sua maior força. Este é um dos casos em que a atriz é o filme.
Se a protagonista fosse interpretada por alguém menos talentosa, o longa-metragem poderia ser um fiasco. Isso porque o longa-metragem parte de uma premissa que, embora curiosa, exige muita suspensão da descrença dos espectadores.
Aliás, a obra é sobre Josie. Ela é uma jornalista de 25 anos que tem que se disfarçar de aluna adolescente em busca de sua primeira grande reportagem. Depois de fazer amizade com os nerds, ela descobre que para conseguir uma matéria-prima que agrade aos chefes e evite a demissão dela e do seu editor, é preciso se enturmar com os populares.
Para salvá-la do fracasso e da humilhação e ressignificar sua trajetória no esporte durante a juventude, o irmão interpretado por David Arquette resolve também se matricular como aluno na escola. Com isso, ele também finge ser mais jovem. Assim, ele ganha a confiança dos colegas e, dessa forma, também aumenta o apreço por Josie entre eles. Paralelo a isso, a paixão entre Josie e o professor aparece como um fator complicador para a história. Isso culminar no esperado clímax sobre o primeiro beijo dela.
A trama pode parecer frágil e óbvia como a narrativa de um besteirol qualquer. Porém, Nunca Fui Beijada tem acertos que fazem toda a diferença na condução da história. O primeiro deles está na maneira como o filme se aprofunda em um tom de doçura e ingenuidade no modo como lida com seus personagens. Isso se refere tanto aos colegas adolescentes de Josie quanto aos jornalistas que trabalham com ela. Refere-se, também, ao papel de David Arquette. O ator, afinal, consegue driblar a moral complicada do próprio personagem para convertê-lo em um irmão amoroso e imaturo, que admira os feitos da irmã.
Enfim, todos os atores muito descolados e que conseguem sair das limitações de interpretar arquétipos como o editor que quer um furo de reportagem ou os estudantes padrões dos filmes estadunidenses do Ensino Médio. No caso do editor, John C. Reilly confere uma certa complexidade ao personagem, que transita entre um amigo que torce por Josie, um gestor preocupado com finanças e um homem que precisa ressignificar a própria vida amorosa de forma crível. Assim, no filme, mesmo os papeis menores mostram-se envolventes e, surpreendentemente, marcantes e humanizados. Então, conseguindo ganhar o espectador, os personagens tanto adolescentes quanto adultos revelam todas as questões em desenvolvimento ligadas às suas experiências com o romantismo, a sexualidade e a juventude.
Tudo isso é um prato cheio para situações fofas e engraçadas, que se aproximam do brilhantismo graças à interpretação perfeita de Drew Barrymore. Em seu primeiro longa-metragem como produtora numa época em que isso não era comum para atriz e com a imagem de grande estrela em Hollywood recuperada após alguns papeis sexualizados e criticados no início dos anos 1990, ela tem o desafio de estar em um papel que visivelmente não convence. E mesmo assim, ela consegue tornar isso irrelevante ao longo da narrativa, a ponto de ignorarmos seu corpo de mulher mais madura e a enxergarmos como alguém que realmente parece adolescente.
Isso porque ela domina muito bem as transformações mentais pelas quais a personagem passa pela história, e consegue traduzir de uma forma doce e hilária toda a complexidade que um enredo como esse esconde ou geralmente não se aprofunda. É uma atuação grandiosa porque compreende a simplicidade da linguagem, mas tem muito mais a dizer por meio dela que talvez até os próprios roteiristas poderiam imaginar.
Sophia Mendonça é jornalista e escritora. Também, atua como youtuber do canal “Mundo Autista” e é colunista da “Revista Autismo/Canal Autismo“ e do “Portal UAI“. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Assim, em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Já em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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