Em momentos de crises, você sabe consolar a pessoa? Todos acreditam que sabem. Ou quase todos. Isso porque nunca perguntaram ao outro, quando a situação de crise passa:” E aí? Eu consegui amenizar seu momento difícil?” Pois então. Ficariam de cabelos em pé se ouvissem: “Não. Na verdade, você piorou tudo.” Acham exagero? Então vamos lá.
Primeiro: para consolar alguém é preciso saber o porquê ela precisa de consolo. Conhecer a sua dor. Assim, se você conseguir ‘sentir’, ou pelo menos se aproximar daquela dor, aí sim, você pode partir para o segundo passo: acolher. Ou seja, o acolhimento significa empatia para entender o que é preciso para amenizar a dor em momentos de crise.
Algumas situações exigem palavras de incentivo. A pessoa precisa saber que aquele momento vai passar e dele, restará o aprendizado. Outras, exigem tão somente algumas palavras para que a pessoa saiba que você está ali, com ela: “Eu vou ficar aqui, caso você precise de mim.” Muitas vezes, o silêncio é a única coisa que a pessoa conseguirá ‘ouvir’. Nada é dito. Mas o apoio é sentido.
Imagine você em crise e alguém, perto de você, entender que esse é o momento perfeito para apontar o que você NÃO deveria fazer para chegar ao ponto da crise. Isso, é o mesmo que jogar combustível na fogueira. Além disso, é de uma falta de sensibilidade tremenda. E não deixa de ser um equívoco que te desviará do foco: nenhuma alma conseguirá entender instruções, orientações, discursos inflamados quando está em sofrimento.
Além disso tudo, há uma outra atitude de talhar o sangue da pessoa em crise. Frases feitas, ditas por quem não está envolvido empaticamente, mas que deseja se passar por simpático. Ou seja, a simpatia pode ser compreendida como um estado de humor que visa a aproximação, mesmo entre desconhecidos. Mas não funciona. Aliás, irrita! “Relaxa.” “Fique calmo.” “Não foi nada!” “Você não está fazendo tempestade em copo d’água?” Oh, Céus! Melhor substituir todas essas frases por: “Tente respirar fundo. Assim… vamos respirar juntos.” Essa sim, é uma ação que se a pessoa desejar, pode ser seguida e ajuda, de fato.
Ações que tirem a pessoa autista de sua rotina, precisam ser pensadas com antecedência. E, de preferência, ser ritualizada. Dessa forma, eu estava na casa de minha mãe, em um fim de semana e o pó de café acabou. Falei com minha mãe para não se preocupar pois no dia seguinte, uma segunda-feira, eu compraria o pó na padaria mais próxima ao condomínio em que ela mora. Tracei mentalmente o percurso para o dia seguinte, pensei que além do café eu compraria o pão fresquinho e, portanto, levantaria mais cedo para agir conforme eu planejei.
Na segunda de manhã, me levantei e fiz a higiene matinal. Na cozinha, nossa ajudante Giovana já estava a postos. Disse a ela: “Não se preocupe, vou comprar o pó de café agora.” E ela: Pode trazer água mineral? Respondi de bate pronto: “Não.” Ela ficou confusa. Senti desejo de me explicar: “Perdão, é que estava tudo pronto aqui em meu mapa mental. Mas tudo bem. Coloque os vasilhames no carro que eu compro.”
Entrei no carro, feliz por ter negociado com meu cérebro, para atender a Giovana. Antes que eu saísse, meu tio, que estava aguando as plantas no jardim, me pediu: “Já que você vai sair, traga terra vegetal também.” Resolvi não dizer nada a meu tio. Ele, definitivamente, não iria entender que ele acabara de me criar um problemão. Antes, eu iria só à padaria. Contudo, agora, teria de passar em uma floricultura, pelo caminho.
Saí, pensando no que deveria comprar a mais. Tudo bem. Precisava me acostumar com a expressão
“de última hora” e tirá-la da posição de algoz para mim. Cheguei à padaria, desci com os vasilhames vazios, e disse à garota do caixa para pedir que os substituíssem por outros com água. Eu já estava preocupada em saber onde teria uma floricultura. Apressei-me e peguei o pão de sal e pão sovado. Senti que estava me esquecendo de algo. Repassei o que havia comprado, mentalmente, e suspirei: É, três produtos diferentes. Deve ser só isso mesmo.Perguntei à garota sorridente à minha frente, se havia floricultura por perto. Ela respondeu que um pouco mais à frente tinha uma. Como eu estava na MG 10 e queria o sentido Serra do Cipó para voltar ao condomínio, e não o sentido BH, perguntei: “Dá para ir a pé?” Ela: “É um pouco mais para frente mas dá sim.” Outra vez, fiz um grande esforço e desviei meu caminho. Afinal eu iria comprar a terra vegetal e a ração que eu lembrei de minha mãe comentar que precisava comprar. Fiquei exultante com a ideia de surpreendê-la. Valia o sacrifício, então.
Após a compra, voltei vitoriosa para casa. Talvez só pessoas autistas e tdahs vão entender a profundidade dessa alegria. Quando cheguei, pedi a meu tio que descarregasse o carro. Lavei as mãos e me sentei à mesa para o café, com minha mãe, que já estava me esperando. Contei minha proeza. Ela ficou feliz. Mas ao dizer dos pães que havia trazido, levei um susto. “Mon Dieu, não me lembrei de trazer o pó de café.”
Minha expressão foi de fracasso total. Minha mãe amenizou. “Tudo bem, vamos de achocolatado, hoje.” Porém, eu sei como todos lá de casa, gostamos de um cafezinho puro ou com leite pela manhã. “Que droga, mamis. Estou me lembrando da tarefa desde ontem. Mas com pelo fato de terem me solicitado mais coisas, acabei perdendo o foco, o mapa mental que havia traçado desde ontem e me esqueci do café. Aliás, foi pior. Na padaria me esqueci do que estava esquecendo.
Giovana olhou para mim confusa mas tentou me consolar: “Deixa para lá. Isso sempre acontece comigo. Ainda mais agora que passamos dos 50. Contra-argumentei agitada: “Mas desde sempre isso acontece comigo. E eu fico muito frustrada.” Ela insistiu: “É assim com todo mundo.” E eu, quase chorando: “Não é. Estou falando de todo um preparo para fazer algo que sairia de minha rotina, e perder tudo isso porque novas demandas foram acrescentas de última hora. Isso, desde sempre. É muito frustrante.” De trás de mim, ouvi a voz do meu tio: “acontece com todo mundo. Liga não.” Sinceramente? Desisti de tentar explicar que, comigo, tratava-se de algo diferente. Mas minha frustração só fez crescer. E o que é pior, sem o consolo de um delicioso cafezinho pela manhã!
Selma Sueli Silva é criadora de conteúdo e empreendedora no projeto multimídia Mundo Autista D&I, escritora e radialista. Especialista em Comunicação e Gestão Empresarial (IEC/MG), ela atua como editora no site O Mundo Autista (Portal UAI) e é articulista na Revista Autismo (Canal Autismo). Em 2019, recebeu o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+. Prêmio Microinfluenciadores Digitais 2023, na categoria PcD. É membro da UNESCOSOST movimento de sustentabilidade Criativa, desde 2022.
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