O Mundo Autista

Crises na Pandemia e Idosos

Selma Sueli Silva e Camila Marques

Selma Sueli Silva e Camila Marques falam sobre a pandemia, a morte do ator Flávio Migliaccio e a forma como a sociedade trata os idosos.

Selma Sueli Silva: Eu vou confessar o momento difícil que vivi durante a quarentena. Foi na segunda, dia primeiro de maio, uma sexta-feira. Na outra semana, eu estava me sentindo muito sufocada, aí eu percebi a ação do cérebro neurodivergente. A falta de previsibilidade, até quando iria ou não iria a quarentena, as atividades domésticas, eu tendo que fazer todas. Uma rotina que não estava me agradando. Eu fiquei ruim, dor de cabeça, passei muito mal.

Então eu fiquei pensando que no início de maio, o suicídio do Flávio Migliaccio mexeu muito comigo. A série Shazan e Xerife* fez parte da minha pré-adolescência e eu fiquei sentida. Não conseguia parar de pensar em tanta gente sofrendo com a quarentena, sofrendo com a questão da pandemia. E aí, Camila, vamos fazer uma retrospectiva: como é que foi para você, ou como é que está sendo?

Camila Marques: Eu fiquei bem triste com essa questão do suicídio do Flávio Migliaccio. Eu até peguei as novelas dele mais recentes, mas não acompanhei toda a carreira dele. Eu confesso que, nos últimos anos, eu perdi o hábito de ver televisão, até por causa de horário da faculdade. Mas, na quarentena, nós acabamos ficando mais confinados em casa e é muito complicado lidar com essa falta de certeza.

Eu me lembro que, no início da quarentena, eu tinha muito sono desregulado, eu fiquei um bom tempo com isso. Porque, eu sempre acordei cedo. Nos últimos anos, até por uma questão de localização, eu adquiri o hábito de fazer caminhada. Então, eu não pude ter a caminhada e isso desregulou todos os meus horários, por um tempo. Meu sono ficou agitado, era aquela coisa de ficar acompanhando as notícias, os casos de Covid-19 no mundo, depois a chegada no Brasil. Um verdadeiro bombardeio de informações. Foi quando eu adquiri o hábito de meditar para ficar mais calma.

Selma Sueli Silva: É exatamente isso que me ajuda também, sempre me ajudou. Nesse momento, a gente deve fazer o caminho de volta, voltar para dentro da gente, para encontrar o primordial, o nosso ponto da energia vital. Assim é que estamos dando conta. Mas eu passei muito tempo sem a condição de falar com relação a essa questão do suicídio porque ela espelha a fase da velhice aqui no Brasil. E são duas as fases em que a gente está mais propenso à depressão: a primeira é na adolescência; porque é como se a gente tivesse subindo a montanha e não sabe o que vai encontrar, no topo, que é a vida adulta. Tudo conta: hormônios, inseguranças, etc. A depressão é muito presente.

A outra fase é exatamente a velhice, porque já estamos descendo esse morro não sabemos como será o nosso fim, lá embaixo. Toda essa situação que vivemos desde o início de março nos faz pensar em como a sociedade e o governo tratam os nossos idosos, que são fonte de sabedoria, fonte de experiência, fonte de vivência. No Brasil, geralmente, o idoso é tratado como peça descartável.

Camila Marques: Essa reflexão é importante porque a nossa população está envelhecendo e isso impacta muitos setores. Eu conheço muitos idosos que ainda sustentam suas famílias, que ainda trabalham, que cuidam da casa. Eu tenho uma avó que gosta de cozinhar, algumas outras coisas não faz por conta da idade, mas ela gosta de cozinhar no fogão a lenha, faz o seu bolo e coisas assim. Então, é importante valorizar essa fonte de riqueza e de sabedoria. Saudades da minha avó, inclusive.

Selma Sueli Silva: Não fala não. Ainda bem que você ainda tem a sua avó, que você pode abraçá-la. A minha, infelizmente, só em outro plano agora, mas tudo bem. Faz parte da vida. O que não deveria fazer parte da vida é a irresponsabilidade de uma boa parcela da população. Há pouco mais de uma semana, eu perdi meu tio Nery, um cara bacana, tipo família, vicentino*. Ele morreu por causa da COVID-19. Ele fazia a parte dele, mas alguém não fez, não é? Descanse em paz, tio querido.

*Shazan, Xerife & Cia foi um seriado infanto-juvenil brasileiro exibido na Rede Globo, entre 1972 e 1974. Foi um dos principais trabalhos do ator Flávio Migliaccio (1934- 2020).

* Vicentino é quem faz parte das Conferências de São Vicente de Paulo. As Conferências Vicentinas são um movimento católico de leigos que se dedicam, sob o direcionamento da justiça e da caridade, à realização de iniciativas destinadas a aliviar o sofrimento do próximo, em particular dos social e economicamente mais desfavorecidos, mediante o trabalho coordenado de seus membros. Tio Nery nasceu em 17 de setembro de 1943 e faleceu em 30 de junho de 2020.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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