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Como é um relacionamento amoroso entre duas pessoas autistas?

Victor Mendonça

*Este texto é em homenagem ao meu namorado, Wadrian

Propor um diálogo entre relacionamento amoroso e autismo é tarefa complexa, mesmo quando nos referimos aos quadros mais sutis ou “leves” da condição. Recentemente, falamos sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e sexualidade em entrevista com a neuropsicóloga Annelise Júlio Costa. As dificuldades variam, e vão desde o medo dos pais de permitirem que os filhos se lancem a um mundo sobre o qual nenhum deles têm controle até os desafios na Comunicação Social. Muitos autistas, homens e mulheres, se queixam não saber como flertar com a pessoa por quem tem interesse. Outros, já com relacionamento consolidado, reclamam não assimilarem certas questões sociais, o que pode ser agravado pela incompreensão do parceiro ou parceira acerca do Espectro Autista.

Embora o desejo de me relacionar com alguém me acompanhe desde por volta dos dezesseis anos, as minhas primeiras relações com o flerte e a paquera só se concretizaram seis anos depois, aos 22. Ainda assim, precisava de que alguém chegasse até mim e explicitasse aquele desejo, aquele sentimento e o tipo de relacionamento que gostaria de ter comigo. Hoje, aos 23 anos, comemoro a minha primeira celebração do dia dos namorados.

Autistas se relacionam melhor com outros autistas?

Como meu parceiro também é autista, muitos amigos e profissionais da área de saúde me perguntam se esta interação é facilitada ou dificultada por ambos apresentarmos a mesma condição neurodivergente. Recentemente, tive conversas, em momentos diferentes, com a neuropsiquiatra Raquel Del Monde (que mantém página homônima, @draraqueldelmonde no Instagram e Facebook), grande parceira do Mundo Autista, e a neuropsicóloga Gabriela Neuber (do Instagram @espectrando_consciente). Em ambos os diálogos, porém, foram abordadas pesquisas que sugerem que pessoas autistas interagem melhor com seus pares do que com pessoas que não apresentam essa neurodivergência. Para entender mais sobre esse assunto, recomendo a leitura deste texto da doutora Raquel Del Monde.

O que posso dizer pela minha experiência (que encontra respaldo em estudos como um recente artigo publicado no Autism Journal) é que, embora não possamos generalizar, há muito mais compreensão e liberdade num relacionamento com uma pessoa também autista. Em entrevista ao portal Olhares do Autismo, Wadrian, meu namorado, afirmou que, no relacionamento com outro autista, podemos esquecer que somos autistas para focarmos na compreensão da essência um do outro, ao invés de ficarmos preocupado em estar sendo estranhos ou desagradáveis. Ele também pontuou que, à medida em que conversávamos, ele se sentia cada vez mais seguro e confiante de que nos compreendíamos mutuamente

.

Hoje, 12 de junho, dia dos namorados, escrevi a seguinte declaração em minha página pessoal no Instagram: “Eu jamais esperaria comemorar a minha primeira celebração do dia dos namorados em meio a uma pandemia global. Na verdade, eu sequer imaginaria comemorar o dia dos namorados tão cedo. Se há alguns meses me perguntassem se faltava algo em minha vida, eu provavelmente acharia que não. Afinal, tinha (e tenho) uma carreira em ascensão da qual me orgulho muito, amigos valiosos, uma família incrível, espiritualidade e uma ligação muito próxima com o conhecimento e o saber. E aí chegou você, não como a peça que estava faltando, mas como um inteiro que tem muito a somar na minha existência. Alguém que, não vou mentir, me atraiu pela beleza física em um primeiro momento, mas que, mesmo em circunstâncias atípicas e adversas de isolamento social e muito trabalho home office, conseguiu me cativar muito para além daquela mera atração momentânea. Isso, a ponto de mantermos diálogos diários em que nem vemos as horas passarem. Momentos ímpares, repletos de carinho, em que você não se cansa de me surpreender com a sua inteligência, a profundidade como encara as diversas áreas do conhecimento humano e esse seu jeito único, encantador e divertido. Sinto ter total liberdade com você e sei que a recíproca é verdadeira, assim como a admiração mútua. Parabéns para nós, meu lindo! Que o nosso relacionamento se expanda cada dia mais.

Mundo Autista

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