Belo Horizonte, 29 de Dezembro de 2021.
Querido João Guimarães Rosa,
Talvez não seja este o tratamento adequado. Afinal, o senhor foi um diplomata. E, também membro da Academia Brasileira de Letras. Mas, vou me permitir um gesto de intimidade. Sim, querido escritor, meu conterrâneo das Minas Gerais. Aliás, o senhor já está familiarizado ao pão de queijo com cafezinho coado na hora e adoçado com rapadura. É, certamente, com imenso prazer que me desvio para essa prosa.
Iniciei sua extensa obra literária pelo impactante conto “Sorôco, sua mãe e sua filha”. A história fez morada em mim desde as primeiras linhas. Tenho um filho com autismo. Assim, foi ele e sua Professora de Literatura que me apresentaram a narrativa. Uma história ficcional, ocorrida na época do funcionamento do Hospital Psiquiátrico Colônia de Barbacena. Ela me comove profundamente ainda hoje. Sobretudo, diante das manifestações a favor da volta dos manicômios e do eletrochoque para pessoas com autismo severo.
Doutor Rosa, o senhor foi médico também. Portanto, saiba que estamos vivendo uma crise sanitária mundial. Desde o final do ano de 2019. Desse modo, em meio a tanta tristeza, perdas e aridez humana, conheci o seu premiado livro “Grande Sertão: Veredas”. A janela da religiosidade me chamou a atenção, pela presença forte do sincretismo místico no romance. Na ficção, está emoldurada a diversidade de doutrinas. Característica, aliás, do multiculturalismo do povo brasileiro e que no sertão não é diferente.
O romance tem um percurso de leitura desafiador. Afinal, é uma narrativa de uma experiência individual. É ainda, entremeada por narrativas menores, que alcançam a totalidade da coletividade. Ao revisitar o sertão e sua vastidão, com certeza, muitas outras camadas que passaram despercebidas nessa primeira travessia, irão se revelar. E, mais que isso, irão despertar novos encantamentos. Este é um livro que não se esgota. Assim, o leitor é, de fato, atravessado por uma série de enigmas universais da humanidade. Como se estivesse diante do seu próprio avesso.
Em particular, me emocionou ler um dos cem maiores livros da literatura universal. Fiquei encantada com a sabedoria popular sertaneja retratada. Além disso, me encantou atravessar o sertão (ficcional). Segurando nas mãos de Riobaldo, Diadorim, Joca Ramiro, Zé Bebelo, Otacília e os demais. Fomos, todos nós, pela vereda religiosa, o que abasteceu minha alma de fé e de esperança. Sobretudo, em meio a esse momento tão difícil e delicado. Então, foi como mergulhar no Velho Chico e ser abençoada por suas águas profundas.
Antes de me despedir do senhor, agradecida pela oportunidade, não posso deixar de mencionar um detalhe importante. Foi a estudiosa e inspiradora Professora Márcia Marques de Morais quem me conduziu de forma magnífica.
Meu sincero carinho, admiração e respeito. Um abraço apertado e um doce de leite com queijo (Minas, é claro!).
Roberta Colen Linhares, natural de Belo Horizonte – MG, casada, mãe de Arthur e Isis, contadora de histórias pelo Instituto Aletria, e atualmente é graduanda do Curso de Letras na PUC Minas.
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Que lindo texto! Senti e sinto o mesmo lendo esse livro fabuloso de Guimaraes!