Carpinejar, Martha Medeiros, Aline Bei e os autistas. Que relação é essa, afinal? Muito simples. Explico: Há quase oito anos, recebi o diagnóstico do TEA – Transtorno do Espectro do Autismo. Ainda assim, ainda mantenho o medo descomunal de grandes eventos, com suas multidões e pessoas querendo se dar bem, numa luta insana por espaço. Afinal, saber do diagnóstico não aliviou meu pavor de multidões e da cota do imprevisível nos eventos.
Por exemplo, certa vez, o ator Luís Gustavo foi até o Palácio das Artes com grande elenco da Globo, por causa de uma peça. Eles estavam em evidência também, por causa de uma novela de sucesso no horário das 19 horas. Fui com a família. A peça foi maravilhosa. Ao final, muitas pessoas querendo vê-los, em um atropelo de gente. Minha mãe, que já sabia de certas limitações em mim, me tranquilizou. Iríamos esperar mais um pouco até o povaréu ir embora.
Foi o que fizemos. Ao sair, quem estava em frente o teatro esperando o carro? Todo o elenco. Gelei. Mas eles nos cumprimentaram. Trocamos algumas palavras com o cuidado de não incomodar pois todos deviam estar cansados. Dia memorável para mim. Mais um fim de espetáculo, corriqueiro para o ator.
Eu me mudei para Pelotas, em 02 de julho passado. Estou encantada. A cidade me permite uma liberdade de ação que eu não tive numa cidade maior. Saio aqui, muito mais. O relevo é plano, a cidade ´menos movimentada e os horários seguem uma rotina previsível. Além disso, não tenho a sensação de estar em alerta o tempo todo, pois sempre haverá um espertinho, de plantão, tentando me passar a perna.
Por isso, quando vi que Carpinejar estaria hoje, no Theatro Guarany, apressei-me em comprar os ingressos para mim e Sophia. A palestra de Fabrício Carpinejar, “Transformação pelo afeto – Que ninguém seja invisível ao seu lado”, traz a invisibilidade e o afeto como temas centrais. Dessa forma, a palestra fala diretamente ao meu coração. É, certamente, a escolha que fiz para me relacionar com um mundo tão complicado. A via do afeto, foi minha aposta para deixar de ser invisível aos olhos dos outros. Bingo.
Ainda assim, meu coração se estreitou, depois que comprei os ingressos. O momento será tão importante para mim, mas eu não faço parte dessas pessoas que fazem de tudo por um momento com a pessoa que admira. Tanto que Carpinejar já esteve em BH, na Rádio Itatiaia, local onde trabalhei por 15 anos e eu não fuii ao encontro dele. O motivo? Eu queria encontrar com ele, não com meus ex-colegas, pois exigiria muito do meu traquejo social. Agora é a minha chance!
Assim, decidi enviar um direct para Carpinejar. E ele disse que vamos nos encontrar, tirar foto e tudo. Espero que eu não precise relembrá-lo, pois minha limitação social não me permitiria. E se eu tentar, tenho medo de ser ou parecer inconveniente. Mas vou hoje. Eu e Sophia
já levantamos ansiosas. Nos aguarde, querido escritor!Ah, a Martha fala por mim, de mim, dos meus e da visão de mundo que eu tenho. Como?, você pode perguntar, já que ela não é autista. Mas ela é gente, muito gente mesmo. E sabe derramar sua humanidade em palavras, como minha eterna conterrânea Adélia Prado. Há alguns anos, uma amiga me convidou para ser a mestre de cerimônia em um evento de Martha em BH. “MeoDeus.” Essa amiga não sabia o que estava me pedindo.
Só ser cerimonialista e jornalista que entrevistaria a autora no evento seria tranquilo. Mas eu teria de almoçar com elas. Santo Deus! Não que Martha não fosse alguém acessível. Ao contrário. Ela é e muito. Mas eu é que não era. Minha amiga teve de escolher meu prato, para o almoço. A comida e as palavras pararam em minha garganta.
Contudo, na hora do evento, foi o céu. Partilhar o palco com um ser humano tão rico foi uma experiencia memorável. (De novo: para mim e, com certeza, foi prosaica para a Martha.) Depois dos autógrafos em livros, ao final, Martha me convidou para estender a noite em um barzinho, com uns poucos amigos. E eu??? NÃO DEI CONTA. Até hoje choro por ter perdido esse dedinho de prosa.
Assim, Carpinejar, Martha Medeiros, Aline Bei e os autistas para mim, tem essa relação: eles me tocam a alma. Conseguem se comunicar comigo sem a necessidade de nenhum treinamento prévio. E foi aqui, em Pelotas, que em novembro do ano passado, a Sophia esteve com Martha e Aline Bei, na Feira do Livro da cidade. Minha menina se encantou com a forma como a Aline fala para ela e toda essa geração. Com a Martha, Sophia relembrou sobre mim e livros autografados e uma boa prosa aconteceram. Simples assim. Sem atropelos e disputas. Do jeito que a gente gosta.
Na foto: Sophia Mendonça, Aline Bei e Laís Braga
Selma Sueli Silva é criadora de conteúdo e empreendedora no projeto multimídia Mundo Autista D&I, escritora e radialista. Especialista em Comunicação e Gestão Empresarial (IEC/MG), ela atua como editora no site O Mundo Autista (Portal UAI) e é articulista na Revista Autismo (Canal Autismo). Em 2019, recebeu o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+. Prêmio Microinfluenciadores Digitais 2023, na categoria PcD. É membro da UNESCOSOST movimento de sustentabilidade Criativa, desde 2022.
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