Carpinejar e o diagnóstico como recorte, assim como a gratidão às origens, são tema da coluna de Sophia Mendonça para o portal UAI. Confira!
Hoje quero falar sobre a palestra que assisti de Carpinejar e o diagnóstico como recorte. Ele é, sem dúvida, um dos escritores contemporâneos mais aclamados do Brasil. Afinal, é vencedor de dois prêmios Jabuti e foi eleito pela Revista Época uma das personalidades mais influentes da Internet no país. Além do trabalho como criador de conteúdo e autor de livros, o poeta e cronista passou por diversos veículos de comunicação, como a Rádio Itatiaia e a TV Globo.
Na Itatiaia, Carpinejar foi colega de minha mãe. Porém, quem disse que ela teve coragem de ir ao encontro dele na época? Por isso, a gente ir vê-lo teve um gosto especial para ela. “Toda ternura que há nesta vida coube neste momento. E neste abraço“, registrou mamãe Selma Sueli Silva.
Aliás, a palestra foi impecável. Isso porque não só Carpinejar é capaz de prender a atenção em um mundo disperso. Mas, principalmente, pelos modos afetivos como ele suscita reflexões a temas de fácil identificação pelas plateias.
Tanto que, na quarta-feira publiquei em meu perfil no Instagram, “Hoje conversei com o Fabrício Carpinejar após me encantar com a palestra dele, que por meio de uma análise sensível dos afetos cotidianos, nos leva a refletir sobre questões como o tempo e as relações humanas. Me encantei também com a gentileza do poeta, principalmente quando ele viu uma foto antiga minha e disse: “Você está muito melhor agora!”, em um contexto no qual essa frase se desdobra em profundidade.
Esse é o poder transformador da arte, dos encontros, dos afetos. Foi, sem dúvida, um momento memorável! Saí transbordando humanidade, que é a minha matéria prima como escritora”. De fato, eu estava muito mexida. Como alguém que pesquisa o impacto das interações em pequena escala e seu reflexo em questões sociais mais amplas, com certeza. Mas, especialmente, como filha.
O escritor é sempre preciso nas observações. “Um dos grandes traumas e problemas da modernidade é a invisibilidade. É o quanto as pessoas se sentem desprezadas, menosprezadas. O quanto que não são vistas, notadas, reparadas e não admiradas. Existe uma carência social. Você pode passar por pessoas do seu ambiente de trabalho, por exemplo, sem cumprimentar, sem olhar nos olhos, sem saber um nome.
E a regra da vida em que toco nesse propósito é tratar todos com respeito, até porque a vida é uma dança das cadeiras, um dia sentado, no outro, de pé. Tudo que vai volta. Se você faz o bem, ele volta. Se você faz o mal, ele volta. Precisamos estar mais presentes, ser mais atentos. Não estamos vivendo agora um instante, estamos sempre nos preparando para algo e adiamos quem quem está mais próximo de nós”, comentou Carpinejar.
Daí, surge a potência da palestra de Carpinejar e o diagnóstico como recorte. Essa é uma ideia veementemente defendida pelo autor, até por experiência própria. A constatação de que ele possuía Deficiência Intelectual aos sete anos de idade não diz nada sobre o Carpinejar de hoje. Erro no diagnóstico? Provavelmente. Mas, ainda assim, a análise dele nos leva a reflexões mais abrangentes.
Explico: foi nesse momento que fiquei completamente desestabilizada. Afinal, estava tentando compreender o que se passava em minha mente, e em meu corpo, naquele momento. Uma profusão de sensações. É que a minha história de vida é muito próxima à trajetória dele.
Quando eu estava com onze anos de idade, junto com o diagnóstico, veio o prognóstico de dependência total para o resto da vida. À minha mãe, foi recomendada a construção de uma extensão em casa. Isso porque, nesta análise, seria impossível eu cursar uma graduação ou ter uma autonomia satisfatória no meu cotidiano.
Minha mãe conta que, na época, a Vovó Irene sugeriu que ela orasse com um propósito bem claro: “Não estou falando de cura. Isso é uma questão para a ciência e a medicina. Estou falando para direcionarmos nossas orações para que Sophia tenha qualidade de vida e seja um valor para a sociedade.” Me arrepio até hoje ao relembrar a sabedoria de minha avó.
Na filosofia budista, que é nossa religião, os deuses são as pessoas comuns, quando manifestam características como sabedoria e compaixão. Então, graças aos deuses, ou graças a mim e a todo o suporte que tive de minha mãe e alguns profissionais e educadores, eu contrariei o prognóstico. Já morei com namorado, sem a presença de um cuidador.
Além disso, tornei-me youtuber e autora de mais de dez livros. Hoje estou no doutorado em Literatura e sou jornalista. Também, ganhei prêmios como o Grande Colar (2016), o Special Tribute (2019) e o Micro Influenciadores Digitais (2023). E sou, acima de tudo, feliz. Assim, quero que outras pessoas experimentem essa felicidade.
Claro, nada disso foi do nada. Aliás, pelo contrário, o processo é longo e árduo. E demandou uma forte condução do meu tratamento. Mas, com o norte do diagnóstico e a observação do indivíduo, fica mais leve e prazeroso. O bom-humor nos salvou, a mim e à mamãe. Assim como nossa fé e disposição em aprender e a desconstruir padrões.
Há pouco tempo, Mamãe Selma me disse porque nunca acreditou nesse prognóstico inicial. E a análise dela vai ao encontro da percepção do Carpinejar: “Me parecia estranho alguém saber o que vai acontecer sem ter todos os elementos em mãos. A sua vida poderia ser melhor ou pior do que o que ele sentenciou. Mas, naquele momento, era impossível chegar a essa conclusão“. Como sou grata a ela por isso!
Sophia Mendonça é jornalista e escritora. Também, atua como youtuber do canal “Mundo Autista” e é colunista da “Revista Autismo/Canal Autismo“. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Assim, em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Já em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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