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Capacitismo, uma doença da sociedade

Capa com o símbolo do Mundo Autista

Selma Sueli Silva conversa com a jornalista Mariana Rosa sobre Capacitismo, uma doença da sociedade. Essa forma aparentemente compassiva de se referir às pessoas com deficiência. Mas que, na verdade, revela preconceito e vê o PCD como uma categoria inferior de gente.

Capacitismo: O que que é isso?

Mariana Rosa: O capacitismo está para as pessoas deficientes, assim como o machismo está para as mulheres, assim como o racismo está para as pessoas pretas, negras. Assim como a homofobia, lebosfobia e lgbtfobia estão para a população LGBTQ, assim como a intolerância religiosa, enfim.

O capacitismo é um tipo de opressão que se dá com relação às pessoas com deficiência em razão de elas serem como são. Ou seja, de elas terem corpos considerados como dissonantes, dissidentes, fora do padrão. Essas características que fazem com que as pessoas olhem para a gente de maneira estranha. Eu falo a gente porque tenho baixa visão e Sueli é autista, então somos pessoas deficientes, além de sermos mães de pessoas com deficiência.

Capacitismo vem do preconceito e da falta de informação

Olham para a gente e presumem incompetência, incapacidade, como se fôssemos uma categoria inferior de gente, e isso contribui para a desumanização da pessoa com deficiência e se nós não somos humanos, nós não somos sujeitos de escolha, nós não temos acessos a direitos, nós não temos como nos inserir no mundo. Por isso, é preciso repensar o capacitismo como uma doença da sociedade.

Esse processo é um processo que nos violenta e faz com que a história da pessoa com deficiência seja marcada por omissões, por mortes, por abandonos, por exclusão, por segregação. É muito importante a gente compreender isso para que isso não se repita e não se perpetue.

A gente pensar o capacitismo desse modo significa, também, a gente pensar que ele, assim como o racismo, é um modo de estruturar a sociedade. Então, todos nós somos socializados para sermos capacitistas, a gente não está acostumado com essa convivência diversa. A gente não está acostumado a olhar uma pessoa com deficiência e pensar no direito ao convívio comum, como uma pessoa que tem o que entregar a sociedade. Somos educados para pensar ao contrário disso. E isso faz com que a gente assuma posturas que são muito violentas, não falo de violência física não, falo de violência simbólica também.

Essa construção que você fez é tão perfeita que, quando você diz que tem baixa visão e sou autista, mas que a gente não parece, a pessoa fala assim com a gente: “não você não tem deficiência não, você é perfeita”.

Mariana Rosa: Elas pensam assim porque a gente não performa dentro daquilo que é esperado de uma pessoa deficiente. Porque o que esperam é algo muito limitado, muito pequeno. É muita ignorância com relação ao que é deficiência, como se a gente responsabilizasse os indivíduos pelo que falta nele. Quando a gente recebe uma pessoa com deficiência, a gente recebe o que falta. Ou seja, “ Ele não enxerga, ele não escuta, ele tem uma disfunção sensorial, ele não anda”. A gente não percebe a pessoa e isso faz com que a gente tenha uma visão muito pequena, muito distorcida e limitada.

Deficiência não é da pessoa. Ela está nas limitações entre essa pessoa que tem um impedimento corporal, sensorial e a relação entre ela e esse meio. Um meio que não oferece condições adequadas. A pessoa com deficiência encontra essas barreiras e aí se dá a deficiência. Se eu sou cadeirante mas em todos os lugares que vou, falando a grosso modo, têm acessibilidade, eu não vou experimentar a deficiência. Então, é importante compreender isso porque distribui a responsabilidade para todos.

Achar que a gente é melhor ou que a gente é isso e aquilo porque têm deficiência significa delegar para nós, toda a responsabilidade de nos inserirmos na sociedade. Isso não é verdade. Como é um problema estrutural, a gente precisa que todo mundo se assuma, que todo mundo pegue a sua parte para trabalhar por um mundo mais inclusivo e mais humano, mais largo para que caibamos todos nós.

Você já se percebeu capacitista? Capacitismo é uma doença da sociedade?

Mariana Rosa: Sim, claro. Em vários momentos. E ainda me percebo. É uma vigília constante. Não é algo de que a se gente livra de uma hora para a outra, assim como me percebo racista, assim como me percebo machista. A questão é o que a gente faz com isso. Porque tomar consciência pode dar aquela ideia de já sei quem eu sou, mas não é só isso. Não está tudo bem, só está tudo bem quando você toma uma atitude em relação a isso, assume uma prática diferente em relação a isso.

Então, isso passa desde acolher a minha filha até entender quais são os recursos que vou precisar em relação a minha baixa visão. Tudo isso para eu organizar minha vida. E, também, para não achar que a dependendência de minha filha, para realizar as tarefas, significa que ela é subalterna a alguém. Cuidado não significa cuidado controle. Achar que vou controlá-la é o mesmo que limitá-la. Assim, vamos trabalhar pela autonomia dela, isso tudo significa, na prática, colocar o capacitismo no bolso e fazer de uma forma diferente. É um trabalho diário.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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