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Cálice, um brinde ao autismo.

Brinde ao autismo. Assim, pela ousadia, ecoa longe a voz de Bituca: Cálice! É quando me dou conta do processo sofrido de conexão com o meu verdadeiro eu. E de minha diferença básica. Não percebo algumas sutilezas das relações sociais caso elas não sejam explícitas.

Então essa característica me traz sofrimento. Certamente, porque as pessoas não creem que eu não tenha percebido. Eu me exercito para entender essas sutilezas, desde a infância. Por exemplo, ampliando minha observação: do outro e de mim mesma. Não à toa, cheguei à prática budista que torna a vida diária mais clara para mim. Ainda assim, muitas vezes ao erguer o cálice para o brinde, o eco me persegue: cale-se.

A exclusão dos diferentes e o brinde ao autista, esquecido.

É preciso entender o que te cerca. Para que o que te cerca se abra e te acolha. Em família, embora exaustivo costuma ser mais fácil. Impera o amor em suas mais diferentes versões. Entenda a regra e você poderá jogar. Se não aprender, estará fora do jogo. Ficar fora do jogo, não significa participar da torcida. Não. Em casos assim, estar fora do jogo é ser EXCLUÍDO.

Com o tempo, percebi que quem está fora é invisível. E se você vai por um lado, barreira. Se vai pelo outro, barreira. Ninguém se importa. Quem é invisível não chama atenção, não faz história. Quero dizer, não é autorizado a fazer história.

Autista faz história?

Para fazer a história, é preciso ser compreendido. No senso comum, faz sentido. Mas nunca, nunquinha, o invisível tem sua história reconhecida simultaneamente à sua existência. Pelo amor, não pense que o invisível ‘se acha’. Nada disso. Ao contrário, ele busca, procura e ‘não se acha’. Muito menos se encaixa.

Quando, por um desses ‘acasos’ previsíveis do destino, um, dois ou mais invisíveis se encontram, bingo! Não, novo delírio. Os pares podem se estranhar, também. E, até se sentirem desconfortáveis. Ou seja, não estão acostumados a serem compreendidos.

Ainda assim, quando o invisível se entende um pouco mais, começa a ousar para entender o outro. Qualquer que o outro seja. De novo, esbarram na resistência do senso comum. Afinal, senso comum traz segurança. Até aí, vá lá. Mas medir as infinitas possibilidades da vida pela mesma régua. Putz, aí é um pouco demais, não é mesmo?

Senso comum X dissenso nesse brinde ao autismo

Contra o senso comum, surge o dissenso. Mas pobre dissenso. Não há espaço para ele. Assim, pobres seres humanos, também. Mal percebem que o senso comum é o próprio dissenso. Sim, isso mesmo. O dissenso cede ao senso comum, para não fugir da regra. Dessa forma, o imperativo do senso comum toma as mentes. Desse modo, ninguém pensa por si somente. Seguem a padronização e são ‘pasteurizados’.

Tudo isso, na ilusão de não se desviarem. Quando isso tudo começou, ninguém sabe.

Por isso, o tal senso comum arroga para si a pasteurização da moda, dos roteiros da vida ou da arte, das meninas, dos rapazes… dos adultos, ávidos por criticar as gerações mais novas, sem se darem conta de que a falha é deles. Para o avanço da sociedade, é vital que cada geração crie valor, para que a próxima seja melhor. Mas o adulto não tem certeza de que tudo se finda com a morte. Então, resolve marcar todos os ‘pontos’ de uma vez. Na presente vida. Coisas de pessoa típica. Típica não, típica e previsível. Outro brinde ao autismo, portanto.

O valor da vida e o brinde ao autismo.

Por tudo que foi exposto, não dá para tentar entender o funcionamento dos excluídos à luz das métricas conhecidas até aqui. Portanto, o debate nunca foi tão necessário como agora. Na forma de oratória e de ‘escutatória’, (saudade Rubem Alves). E, por favor, vozinha chata que parece querer me inibir mais uma vez, repetindo, à exaustão, ‘Cale-se’. Não consigo frear o frenesi de meu cérebro neurodivergente. Nem quero. De novo, um brinde ao autismo.

O buda Nichiren Daishonin, que viveu no século 13 e me foi apresentado pelo filósofo japonês, Daisaku Ikeda, disse que todos podemos atingir a iluminação na presente forma. Do jeito que somos. E o que é se iluminar e se revelar um Buda? A palavra Buda significa desperto, aquele que despertou ou, por outras palavras, o Iluminado. A mente iluminada caracteriza-se pela compaixão, sabedoria e coragem. 

Dessa maneira, quando a humanidade descobrir a inclusão como forma de tornar todos os seres humanos visíveis, teremos o nascimento imediato de uma Nova Era. O filósofo Daisaku Ikeda insiste:

“O que vale não é o que a nossa vida foi até aqui. No instante em que despertamos para o nosso valor original e decidimos mudar a realidade, começamos a brilhar com a luz da esperança.”

Texto de Selma Sueli Silva, jornalista e membro da #SGI e #BSGI, Brasil Soka Gakkai Internacional.

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