Victor Mendonça e Rodrigo Tramonte
Para o autista, o hiperfoco é algo muito comum. E um dos hiperfocos do Victor Mendonça e do Rodrigo Tramonte são os filmes e séries. Eles contam o porquê.
Victor Mendonça: Rodrigo Tramonte, além de cartunista e palestrante sobre o autismo e outros temas ligados a área de atuação dele, ele é uma pessoa que, como todos os autistas, tem hiperfoco. Os hiperfocos do Rodrigo são muito parecidos com os meus. Gostamos muito de filmes e séries. Eu acho engraçado porque o meu gosto é algo meio “autístico” mesmo. Ao mesmo tempo que eu gosto de clássicos, com temas profundos, como Antes de amanhecer, eu também gosto de filmes estilo Sessão da Tarde, como Para sempre Cinderela, que me marcaram profundamente na mesma medida. Eu tenho tanto esse lado infantil, quanto esse lado mais denso, mais profundo do autista. Você se vê de maneira similar, Rodrigo?
Rodrigo Tramonte: Sim. Na verdade, as séries que eu vejo são mais as séries de animação. Mesmo antes de eu ter o diagnóstico de autismo, eu sempre gostei mais de animações, animações de adultos, como Os Simpsons, Família da Pesada, Mickey Lounge, mas gosto também do Bob Esponja e dos Padrinhos Mágicos, que são animações infantis.
Victor Mendonça: Na verdade, as pessoas não entendem muito bem, foi bom você ter falado. Animação não é gênero, mas é forma, o que existe em todos os gêneros, como ação e aventura, drama, comédia romântica, ficção científica, terror.
Você citou alguns desenhos que eu também gosto. Mas o meu favorito mesmo, que desencadeou um dos meus hiperfocos, é o Três Espiãs Demais. Você gosta dessa linha de animação? Foi por isso que você seguiu a carreira de cartunista?
Rodrigo Tramonte: Isso! As séries de desenhos animados, e os quadrinhos me influenciaram bastante. Séries de comédia, com atores, eu também gostava bastante: Chaves, Chapolin, Um maluco no pedaço. As séries dos anos 80, como Cheers, também me interessam muito. Meu repertório é um pouco mais antigo.
Victor Mendonça: O meu repertório é bem do final dos anos 1990. Tem umas séries que tem um humor bem “autístico”. The big bang theory é bem assim. Agora, tem uma série que não tem nada a ver com o autismo, mas eles fazem umas piadas *nonsense que para mim, é bem a minha cara, ‘Os Normais’, com a Fernanda Torres e o Luiz Fernando Guimarães. A série foi escrita pela saudosa **Fernanda Young, junto com Fernando Machado. É muito bacana esse poder da arte como forma de entretenimento. E podemos focar nisso, até como válvula de escape de autista. Além de ser uma forma de autorregulação e de aprendizado de questões sociais. Minha mãe, por exemplo, tem hiperfoco em séries com hospitais, médicos, detetives e suspenses. Recentemente, ela assistiu a três séries com a temática de hospitais, uma delas é Chicago Med
. Ela até escreveu uma crítica para o ***blog.Uma das formas de meus pais brincarem comigo estava nas discussões a respeito dos desenhos que a gente via juntos. Existe uma profundidade neles, como os desenhos da Disney, que eu adoro, e que, às vezes, as pessoas típicas não percebem.
Rodrigo Tramonte: Por isso que os autistas gostam de ver filmes e séries. Na série, você consegue acompanhar o comportamento do personagem, consegue entrar na intimidade do personagem. O personagem dormindo, acordando, às vezes, até tomando um banho no banheiro. Ou seja, você consegue estudar o comportamento da pessoa através da narrativa. A gente acaba se envolvendo com qualquer personagem, seja a mãe ou o pai naquela história. Por isso, muita gente considera os personagens como amigos. Há toda essa conexão pessoal.
Victor Mendonça: Eu sou um dos que considera que existe essa conexão. É exatamente isso que você falou sobre personagens. É importante que pais e pessoas que lidam com o autismo entendam essa conexão, o porquê de a gente se agarrar a esses personagens.
*nonsense é uma expressão de origem inglesa que denota algo sem nexo ou lógica.
**Fernanda Young (1970-2019), foi apresentadora, escritora, e roteirista de séries de sucesso, como Os normais de 2001. Ela também é autora de livros como Carta para Alguém Bem Perto (1998), além de ter atuado como apresentadora no GNT, dentre várias atividades e obras.
***Blog https://omundoautista.uai.com.br/serie-chicago-med-alerta-sobre-a-importancia-da-psiquiatria/
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