Autismo e Família

Autista de corpo e alma travados

“Não é medo não. É receio de desequilibrar e cair numa posição ridícula. Eu tenho dificuldades de perceber meu corpo.”

Cuidando umas das outras, respeitando o jeito de todas

Minha viagem chega neste final de semana. Entretanto, dessa vez foi mais fácil. Estava com minha irmã e minhas quatro sobrinhas. Senti-me segura e até dispensei a assistência que solicito nos aeroportos. Ficamos numa casa imensa. Em frente à praia. Eu me sentia muito bem. Fomos cuidando umas das outras, respeitando o jeito de todas.

Na praia, era até engraçado. Todas nós temos problemas sensoriais com a areia, o vento e sol excessivos, a roupa molhada no corpo. Ficávamos então, o tempo necessário a uma boa caminhada. De resto, nos dividíamos entre minha mãe, minha outra irmã e meu cunhado. Essa irmã, mora aqui, em João Pessoa.

Nada contra a diversão

Ir aos quiosques, à noite, ouvir música ao vivo, também era um bom programa. Não que ficássemos muito tempo. Nada contra a diversão. É que para mim e minhas irmãs, depois de beber e comer, ao som de boa música, já é hora de seguir. Enrolar, passar o tempo, não é com a gente.

As irmãs Selma Sueli, Sandra Sallete e Sol na ‘noite das garotas’ em João Pessoa

Outra coisa boa que fizemos, foi massagem holística com o pernambucano Layon. Do alto de seus 33 anos, o cabra entende bem de ventosaterapia, acupuntura e pedras quentes. Mas o que mais aproveitei, foram os exercícios para destravar meu corpo encurtado. Foram anos de músculos retesados para dar conta da vida.

Anos de tensão e o resultado são fortes dores musculares

Layon me chamou a atenção para uma proeminente lordose. A lordose é uma condição em que há uma curvatura interna aumentada da espinha. Foram anos de tensão e o resultado hoje, são fortes dores musculares. Foram 3 sessões. O que senti, nesta última, foi algo muito inusitado.

Realmente, não temos a menor noção do que o esforço para se adaptar a uma peseudonormalidade pode fazer com a gente. Em um dos exercícios, eu estava sentada na maca, de costas. Foi quando o Lyon fez um movimento brusco para me destravar. Antes que ele passasse para o lado esquerdo de minhas costas, dei uma desequilibrada e ele disse: “Pode confiar, eu amparo você.”

“Não são só os músculos que retesaram. Você tem muita emoção bloqueada.”

Nesse momento, eu ressenti o velho aperto no coração e o nó no peito. E expliquei a ele: “Não é medo não. É receio de desequilibrar e cair numa posição ridícula. Eu tenho dificuldades de perceber meu corpo.” Engoli em seco e continuei: “Era assim que eu me sentia nas aulas de educação física, nas brincadeiras em grupo, nas festas.”

Ele pediu que eu ficasse de pé. Percebeu meus olhos molhados e completou: “Não são só os músculos que estão encurtados. Você tem muita emoção bloqueada. É um peso para você.” Eu fiquei calada. Não conseguiria explicar nada do que eu sentia. Ele me pediu: “Posso te dar um abraço.” Não respondi. Ainda assim, ele me envolveu num abraço, (estávamos de máscaras e vacinados). Eu senti a criança e a adolescente autista que fui, finalmente, amparada. Para além da competência, a riqueza do ser humano é o que faz toda a diferença.

Selma Sueli Silva é jornalista, radialista, youtuber, escritora, cineasta, relações públicas e pós-graduada em Comunicação e Gestão Empresarial. Foi diagnosticada com TEA (Transtorno do Espectro Autista) em 2016. Mantém o site “O Mundo Autista” no Portal UAI. É autora de três livros e diretora do documentário “AutWork – Autistas no Mercado de Trabalho”.

Mundo Autista

Ver Comentários

  • Selma quanta emoção e alegria senti lendo seu texto. Me senti contemplada, amparada no teu abraço. Senti tuas e minhas palavras neste texto feliz e cheio de nós. Obrigada por estar junto comigo mesmo sem nunca ter te conhecido. Coisas de gente autista.... Não tenho diagnóstico mas assino embaixo.

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