Victor Mendonça
Relato originalmente proferido por Victor Mendonça em Reunião de Palestra da BSGI – Brasil Soka Gakkai Internacional, em Belo Horizonte, no dia 27 de outubro de 2019
Desde criança, sentia-me perturbado por fortes sentimentos de angústia e inadequação. Acreditava ter muito mais o que dizer ao mundo do que conseguia expressar. Por essa dificuldade na comunicação, apresentava, frequentemente, até a adolescência e por vezes na fase adulta, crises de pânico, agressividade, ansiedade, insônia, depressão e fobia social. Em 2008, quando eu estava com onze anos, veio o diagnóstico: Síndrome de Asperger, hoje enquadrada ao Transtorno do Espectro Autista. Esta condição neurodivergente, considerada uma deficiência, traz prejuízos em duas grandes áreas do desenvolvimento humano: comunicação social e comportamento.
Em 2015, após uma sofrida, mas bem-sucedida experiência de inclusão escolar, alicerçada no diálogo, como orienta o presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, ingressei na faculdade de Jornalismo. Escolhi um curso que trabalhava o meu maior gargalo, a Comunicação Social. Neste mesmo ano, eu e minha mãe Selma Sueli Silva estreamos o “Mundo Asperger”, hoje um site com blog, canal do YouTube e outras mídias sociais, em que mãe e filho autistas discutem a inclusão e questões do cotidiano com olhar humanístico e bem-humorado. Sempre recebemos mensagens diversas de internautas, de vários lugares do Brasil e do mundo, nos parabenizando pelo nosso trabalho, por levarmos a eles esperança e informações, com muita credibilidade e de maneira acessível. Viajamos por todo o Brasil ministrando palestras com o intuito de tocar o coração das pessoas e transformar positivamente a sociedade.
Em 2016, recebi o Grande Colar do Mérito Legislativo Municipal, a maior honraria do legislativo mineiro, tornando-me o cidadão mais jovem a receber essa homenagem, então com 19 anos, por meus “relevantes esforços em prol da sociedade”. Do meio para o final de 2017, contudo, enfrentei um dos momentos mais difíceis de minha vida pessoal e profissional. Ainda assim, mesmo numa época em que fui alvo de vários obstáculos, maldades, calúnias e difamações, emergiram várias pessoas que atuaram em minha vida como verdadeiros deuses budistas. Embora enfrentasse um sério problema de saúde, uma alteração no sistema límbico, responsável pelo controle de emoções e comportamentos sociais, sabia que a vitória estaria garantida. Não era fácil, e cheguei a perder palestras e compromissos importantes de trabalho e faculdade. Contava com incentivos e orações da família Soka e as minhas próprias orações, à medida que ia me recuperando.
Neste momento, duas amizades em particular revelaram-se de extrema importância. Uma delas a neuropsiquiatra Raquel Del Monde, considerada a maior referência em autismo no Brasil. Da cidade de Holambra, em São Paulo, ela foi meu suporte amigo nos momentos mais graves da crise. A outra foi o pós-doutor em Jornalismo Científico Maurício Guilherme Silva Jr., que foi meu professor na graduação e é parceiro em inúmeros projetos; inclusive, é ele que está supervisionando o meu sexto livro, que abordará a trajetória intelectual do Dr. Daisaku Ikeda, presidente da Soka Gakkai Internacional.
2018 foi um ano desafiador. Estava me recuperando da crise e tinha altos e baixos no que se referia à saúde mental. Porém, entrei para o grupo Sokahan, da BSGI, e mantive-me firme na prática da fé.
Em março de 2019, o Mundo Asperger promoveu o I Simpósio Internacional sobre Educação Inclusiva, no qual lancei o livro “Neurodivergentes”, uma sugestão do meu orientador Maurício de transformar o TCC em uma obra jornalístico-acadêmica. A aposta rendeu frutos. “Neurodivergentes” não demorou a se tornar um livro-referência para pesquisadores e estudiosos do autismo na contemporaneidade. O Simpósio foi um divisor de águas que simbolizou a retomada ao sucesso na minha vida profissional, e desde então eu e minha mãe não paramos de receber convites para palestrarmos sobre diversos assuntos, como empreendedorismo, resiliência, esperança, inclusão e autismo.
Em maio deste ano, passei por um episódio estressante e tive um colapso, mas, após ouvir o relato de uma artista budista, decidi que estava nas minhas mãos o poder de pôr fim às crises nervosas que por vezes ainda teimavam em aparecer. Desde então, venho orando todos os dias para conseguir expressar meus sentimentos de outra maneira, e nunca mais voltei a ter essas crises. Recentemente, eu e minha mãe recebemos o Special Tribute da União Europeia e uma moção congratulatória em nome do Mundo Asperger, outorgada pela Câmara Municipal de Divinópolis. Também ganhei o título de “Destaque Acadêmico” como o aluno com melhor desempenho no curso de Jornalismo dentre os formandos do primeiro semestre de 2019 do UniBH. Não se trata do prêmio pelo prêmio, mas da importância de ser um “cidadão do mundo”, consciente de sua grandiosa missão de ser feliz e fazer os outros felizes.
O “Mundo Asperger”, hoje, tem mais de 30 mil inscritos e está em processo de mentoria para se unir ao Portal UAI, que apresenta quatro milhões de seguidores. Temos o compromisso de, por meio do nosso conteúdo humanístico, fazer a diferença em cada uma dessas vidas que nos acompanham. O processo de parceria com o portal só se tornou possível porque fiquei na faculdade um semestre a mais e, assim, pude participar e vencer o I Concurso de Comunicação Empreendedora do UniBH – Edição Você no Portal UAI.
Após ouvir um relato de minha avó sobre sua vitória em um concurso público, fiquei determinado em participar do processo seletivo do Mestrado em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Uma semana antes da prova teórica e da entrevista com a banca de examinadores, viajei ao Centro Cultural Campestre da BSGI em uma atividade, para atuar como Sokahan. Lá, ouvi que os grupos de bastidores são a melhor forma de polir o carma da juventude. Não tive dúvidas. Essa era a hora de mostrar a mim mesmo do que era capaz. Não deu outra: fui aprovado e classificado com a segunda maior nota geral na linha de pesquisa “Textualidades Midiáticas”.
Aprendi com o meu mestre da vida, o Dr. Daisaku Ikeda, a sempre correr atrás dos meus sonhos, a ter objetivos que beneficiem a sociedade, como é o caso da pesquisa do Mestrado, e que “não avançar é o mesmo que retroceder”. Hoje tenho a grata satisfação de não só ver minha vida se expandindo em todos os seus setores, mas também a dos membros da minha localidade e dos meus shakubukus – pessoas a quem apresentei a filosofia budista e que hoje podem vivenciar essa espiritualidade.
Trago, gravada no coração, a orientação do Ikeda sensei: “A verdadeira missão de uma pessoa é subir ao topo da montanha que está a sua frente, qualquer que seja. Ao chegar ao alto verá outros cumes que não esperava. Escolha um, não importa qual. Suba novamente. No topo verá uma vista que nunca pensou existir. Sempre há novos desafios e problemas. O propósito da vida não é ter uma lista de montanhas que escalou. É se tornar um excelente alpinista, pois assim será capaz de escalar todas as montanhas, mesmo as que não escolher”. Gratidão!
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.