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Autismo: um mundo cheio de julgamentos

Autismo não combina com julgamentos, aliás, nada combina. Por mais que tentemos, será difícil ter todos os dados para julgar uma pessoa ou uma situação. Está na bíblia, em Matheus 7:1-5:

“Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês. “Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho? Como você pode dizer ao seu irmão: ‘Deixe-me tirar o cisco do seu olho’, quando há uma viga no seu? Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão.

Outras religiões, também, advertem sobro o perigo do julgamento. Entretanto, parece ser complicado para o ser humano não julgar determinadas situações. Até aí, tudo bem. Mas o que se observa é que os julgamentos não são tratados como opiniões. Ao contrário, na maioria das vezes, são tratados como verdade irrefutável. Certamente, por isso, os julgamentos recaem nos ombros da vítima como verdadeiras sentenças de tribunais. Não devia ser assim.

Julgamentos levam em conta questões de superfície

As relações humanas são, de fato, mais complexas que possam parecer num primeiro momento. Antes de saber do diagnóstico de minha menina, aos 11 anos, ela já havia sido rotulada de mimada, autoritária, temperamental, mal educada e por aí vai. E eu, claro, não era boa mãe, estava estragando minha filha, querendo uma desculpa para a falta de educação dela e seu jeito esquisito.

Depois do diagnóstico, a família se mostrou preocupada com o rótulo do autismo. Ao que eu respondi, para não se preocuparem. Agora ela tem um rótulo só, antes, eram mais de dez.” Silêncio… E eu, claro, saí no lucro já que mãe e filha já haviam sido julgadas, sentenciadas e condenadas à uma vida de clausura. O que não mudou com o diagnóstico, devo admitir. E eu, de mãe negligente, passei a mãe ‘especial’, escolhida para aquele fardo, compatível com um tal cobertor que eu nunca encontrei aqui em casa.

Que atire a primeira pedra, antes do julgamento, quem nunca o fez

Antes que alguém pense que jamais agiria assim, eu advirto: somos seres frágeis, atravessados por uma educação que é fruto de um comportamento da sociedade. Nem percebemos, por vezes, que estamos julgando. Não sem um certo constrangimento, me coloco como exemplo: Eu já sabia que minha menina tem hipotonia, ou seja, força muscular não é o forte dela. Mas com vinte e tantos anos, a danadinha começou a me pedir que desse banho nela.

Ouvi imediatamente, as vozes julgadoras de tempos atrás e pensava: não posso me deixar manipular. Soltava um “toma vergonha na cara” e a deixava sozinha no banheiro. Ela tomava o banho e se jogava, sem enxugar, sobre a toalha em sua cama. Permanecia assim, uma boa meia hora. E eu pensando: “ela quer me sensibilizar.” E permanecia irredutível.

Não parou por aí. Qualquer objeto caído no chão eu ouvia: “Mamãe, pegue para mim. É ruim abaixar.” E eu com a resposta pronta: “Claro que é. E se é aos vinte poucos, imagina aos 60 anos.?”

Mas confesso que me abaixei várias vezes, pois normalmente, ela não se abaixava mesmo.

Imaginem qual não foi minha surpresa quando ela foi diagnosticada com insuficiência cardíaca importante. Nada do que ela dizia era invenção ou exagero. Quem vai imaginar uma jovem com um problema tão grave?

Eu também não escapei do julgamento alheio

Há algum tempo eu passei a ter muito sono pela manhã. Não importasse a hora que eu me deitasse, pela manhã eu estava um caco. Como eu não podia deixar de fazer minhas tarefas e muito menos me esquecer de que era cuidadora de minha mãe e de minha menina, passei a ser espectro de gente, boa parte do dia. E lá estavam os julgamentos: “É o hipotireoidismo.” “Que nada, tá na cara que é menopausa.” Está na cara? Céus, como assim? E continuavam: “Gente, isso é porque ela não toma os remédios direito.” “Nada disso, ela está ficando velha, só isso.” Desde quando envelhecer é sinal, necessariamente de que não damos conta de mais nada?

Aliás, eu, por vezes, tinha uma vontade danada de dizer àquelas pessoas tudo o que eu tenho vontade de fazer. E mais, tudo que eu fazendo, sou boa, muito boa. Mas, concordo, a situação não estava a meu favor. Ouvia calada. Até que algumas pessoas sentenciaram: “Gente, tá na cara. Depois que a pessoa se aposenta, ela fica preguiçosa. Isso é preguiça.” Depois que a oitava pessoa falou isso, eu disparei: “preguiça o *#@*&%$!” Eu faço tudo em casa, não tem ninguém que faz por mim. Só eu sei de meu esforço. E ainda trabalho home office. Indignada, procurei o médico.

Conclusão:

Eu tenho apneia. Assim, como meu cérebro não está sendo oxigenado como deveria para se alimentar e alimentar meus músculos, eu estou mesmo é, MUITO CANSADA. Não tenho sono reparador. O que pode, inclusive, se não for tratado, acabar num infarto. Eu, heim? Bora lá acatar todas as orientações médicas. Depois disso, eu peço, NÃO, eu rogo: “Vamos parar com essa mania de fazer julgamentos.” Talvez, por isso, sejamos julgados com tanto rigor também!

Selma Sueli Silva é criadora de conteúdo e empreendedora no projeto multimídia Mundo Autista D&I, escritora e radialista. Especialista em Comunicação e Gestão Empresarial (IEC/MG), ela atua como editora no site O Mundo Autista (Portal UAI) e é articulista na Revista Autismo (Canal Autismo). Em 2019, recebeu o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+. Prêmio Microinfluenciadores Digitais 2023, na categoria PcD. É membro da UNESCOSOST movimento de sustentabilidade Criativa, desde 2022.

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