Sim, é verdade que o hiperfoco do autista, cansa a galera. Entretanto, sobre autismo, me perdoe, mas eu tenho de falar. Depois de meu diagnóstico, em 2016, perdi a conta do número de homens e mulheres que fizeram contato comigo, em busca do próprio diagnóstico. Outro tanto, queria simplesmente desabafar e contar sobre a própria saga, que culminou no diagnóstico tardio.
Receber o diagnóstico tardio significa que você vive, sem saber quem você é. No entanto, por vezes, seu ‘eu verdadeiro’, escondido e abafado pelo número insano de regras sociais, de vez em quando, dá o ar da graça. E aí, amigo(a), você ‘tá lascado’. Os rótulos vêm sem dó: “estressadinha’, “nervosa”, “precisa daquilo, sabe?”, “impulsiva”, intempestiva”, “sem noção”. Nem uma única alma para perguntar a você: “O que foi?” “Percebo que você está sofrendo…” “Posso ajudar?” Ninguém.
Daí, quando ‘seu lobo’ chegar, ou melhor, quando o diagnóstico chega, ai,ai. “Mas como?” “Você não parece autista.” “Você já chegou até aqui, pra quê o diagnóstico?” “Ignore, não tem nada errado com você.” “Mon Dieu” (lembrando meu detetive favorito, Hercule Poirot.), o que esse povo quer de mim?” Essas perguntas me soavam como: “Para que saber quem você é? Que diferença faz? Você já consegue ser ‘normal’, como a maioria.”
Mas que coisa. Ser igual, esse sempre foi o meu problema. EU FINGIA. E me sentia péssima, por isso. E, em casa, desmoronava. Mas, de novo, que se importava, não é mesmo? Hoje, não vejo os ‘normais’ de minha vida como antagonistas.
Mas eles não se dão conta de que também são diferentes. Essa é a grande riqueza do ser humano. Somos diferentes para construir algo maior. Fruto dessas diferenças. Mas não. Há times em startups, em empresas, em escolas, e muitos outros lugares, trabalhando para a homogeinização. Acreditam que padrões baixam os custos. Pode até ser, mas emburrece a sociedade. E viver numa sociedade medíocre, é um preço alto demais, não acham?
E nessa pasteurização, quem enxerga a diferença, passa a ganhar rios de dinheiro, com suas especializações, com o seu olhar atento, e suas pesquisas científicas. Errado? Não certo, mas inacessível. Ou seja, os diferentes não tem acesso, não podem pagar. Então, será que essa amostragem será representativa? Até quando?
Depois que recebi meu diagnóstico, em 2016, passei por uma série de sentimentos. Todos derivados do pensamento: “Como assim? Eu não sou quem eu era e eu não era quem eu sou?” Minha cabeça deu um nó. Senti-me com a identidade roubado. Pouco depois, me levantei, , lambi as feridas. O que foi era. E o que é, ainda será mais. Para organizar minhas ideias escrevi: “Minha Vida de Trás pra Frente”, 2017. Afinal, o autismo veio comigo, desde que nasci. E continua comigo. Fácil comprovar para quem tem ‘Diário’ desde os 10 anos de idade.
Mas o povo, vocês sabem. Muita gente começou a achar que eu era ‘super’, ‘além da média’. Foi quando, como boa jornalista que sei que sou, pensei: “Calma, pessoal, o desconhecido abre lacunas para a especulação. Não é bem assim. Eu sou humana e plena com minhas características. E tem muitos como eu, também com sua próprias características. Então, lancei o livro Camaleônicos – a vida de autistas adultos, 2018. Lá estão: Adriana Torres, Rita Nolasco, Maria Esperança, Rodrigo Tramonte, Rita Louzeiro, Maurício Vieira, Maya Rubinger, Stephanie de Matos, R. Oliveira, Luiz Henrique Magnani, Graziela Pavan, Priscilla Nogueira Castro, Vicente Cassep-Borges, Myriam Letícia e Fernanda Coelho dos Santos Moreira.
Já disse outras vezes, que sou budista. É no budismo, confirmo meus princípios.
O budismo não faz distinção entre as pessoas. De fato, quem é buda, aprecia totalmente suas diferenças. Além disso, respeita a individualidade e deseja que as pessoas sejam capazes de expressar sua singularidade de forma irrestrita.
As diferenças entre elas não são a razão para favorecer algumas e odiar outras. Quem manifesta o estado de buda, ou seja, a sabedoria, vais amar e se alegrar e acionar a individualidade. Essa é a compaixão e sabedoria do Buda. É importante compreender que a pregação do budismo é pautada pelo reconhecimento da diversidade entre os seres humanos.
Autismo: me perdoe, mas eu tenho de falar. Entendem? Tem muita gente sofrendo. Tem muitos valores humanos desperdiçados por nossa ignorância. Outros tantos, por nosso desconhecimento. Não dá mais para aceitar a deficiência, ou diferença, somente como plataforma política. Em busca de votos. É preciso agir. E, para agir, é preciso se entregar ao diálogo humanista, onde não há vencedor e sim, vencedores. Esse é o meu convite. Vem comigo?
Texto de Selma Sueli Silva
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