O Mundo Autista

Autismo, Empatia, Sally e Anne e a Teoria do Mundo Intenso

Victor Mendonça e Selma Sueli Silva

Hoje vamos falar sobre um mito que nos irrita profundamente. É sobre empatia, muita gente acredita que o autista não tem empatia, quando na verdade ele só tem um jeito diferente de perceber e demonstrar essa empatia. Este texto traz informações e pesquisas relevantes sobre o assunto.

Recentemente, no Instituto Suíço, os pesquisadores Henry Markram e Camila Markram propuseram uma nova teoria completamente oposta à ideia que se tinha da empatia no autismo. A teoria diz que o autista não tem falta de empatia ou pouca empatia; na verdade, tem muito mais empatia do que as pessoas típicas. E essa teoria, a “Teoria do Mundo Intenso”, mostra que o autismo, em sua essência, não é uma deficiência social, mas sim uma hipersensibilidade ao ambiente.

Então, imaginem o bebê que acabou de nascer, chegam o pai e a mãe entusiasmados para brincar com ele, e o que ela escuta? Ele escuta como se fosse heavy metal no último volume. Ninguém aguenta. E quem então ñão vai se esconder no seu cantinho?

Essa ideia de que o autista não tem empatia nasceu de um experimento clássico em que eles colocavam crianças autistas e crianças típicas observando duas bonecas, Sally e Anne. A Sally pega uma bolinha, anda, e coloca a bolinha num cestinho, saindo de cena. A Anne pega essa bolinha e coloca dentro de uma caixinha. Aí as pessoas perguntam: Quando a Sally voltar, onde ela irá procurar a bolinha? As crianças típicas de quatro anos de idade sabem que a Sally saiu de cena. Ou seja, que a Sally não viu a Anne colocando a bolinha na caixinha. Elas então respondem: ela vai procurar na cesta que foi onde ela colocou. Essa é a Teoria da Mente, elas inferem esse tipo de coisa. É a primeira parte da empatia, de perceber o outro. Já as crianças autistas vão falar do que elas viram. A Sally vai procurar a bolinha dentro da caixinha, porque elas raciocinam no concreto, no que elas viram.

Então a Teoria da Sally e da Anne só analisa um dos lados da empatia, porque a empatia é um conceito, assim como inteligência, de difícil definição cientifica. Existem dois tipos de empatia que devem ser consideradas. Uma é a capacidade de simplesmente se colocar no contexto do outro, perceber que ele tem outras crenças, outros desejos e visões, que é a Teoria da Mente. Mas o outro tipo, mais emocional, está ligado a você se imaginar na situação, entendendo o contexto, sentindo a dor que vem dela como consequência. Na verdade, o que todo autista está careca de saber, e essa teoria acaba comprovando, é que essa empatia do autista, quando ele se identifica e percebe a situação, é uma maneira visceral e muito mais intensa do que a das pessoas típicas.

Quando Victor escreveu “Neurodivergentes”, que trata sobre o autismo na contemporaneidade, a questão da empatia nos autistas foi muito destacada. Tanto pesquisadores quanto profissionais da área da saúde e familiares levantaram essa questão. Quando o autista percebe, ele pode não entender as questões sociais mais sutis, as pistas sociais, mas quando ele percebe a situação ele sente até demais. Às vezes a gente acaba se fechando justamente por ter essa empatia tão grande. Porque imagina como é interagir socialmente quando se está com dor de cabeça. Mais difícil e mais complicado.

Na verdade, parece que é uma proteção do cérebro autista, do cérebro neurodivergente, como ele tem mais dificuldade ou uma diferente maneira de perceber as situações para ter empatia, porque a empatia dele ocorre de uma maneira muito intensa. Selma se emocionou e já desmaiou ouvindo história de uma amiga que sofreu acidente. Victor chorava horrores vendo “Hey Arnold” e “Os Anjinhos”. E as pessoas falavam que ele não tinha empatia porque às vezes, no trato social, ele não percebia determinadas coisas.

E sem contar que quando fomos assistir “A Noiva Cadáver”, Victor queria ir embora. Selma disse: “Despista. As crianças estão brincando, e como é que eu vou explicar essa adulta em lágrimas?”. “A Noiva Cadáver”, apesar de no título parecer um filme de terror, é infantil. Muito bonitinho, choramos baldes. Muito emocionante. Quando estávamos assistindo a uma peça sobre “A Pequena Sereia”, que tinha o final que não é o da Disney, nós choramos tanto que não pudemos ir cumprimentar a atriz que fazia a Ariel, sendo que ela é nossa amiga.

Então, antes de julgar e falar que autista não tem sentimento, é frio e não tem empatia, procure entender. Não é porque não estamos vendo que aquilo não existe. Ser humano é incrível; basta dar uma chance para ele, para se conhecer melhor.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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