Eu sei que ir ao hospital não é tarefa divertida para ninguém. Entretanto, quando o autismo se associa ao trauma vivido, essa tarefa pode ser uma tortura interminável. A lembrança traumática de ter ido ao hospital após sofrer uma crise (meltdow) no serviço, me persegue até hoje. Anos e anos depois. Isso porque o médico que me atendeu foi abusivo comigo. Quis passar as mãos nos meus seios e quando eu gritei e saí correndo pelos corredores, ele saiu atrás. Aliás, afirmou com a cara de pau que Deus lhe deu que eu era maluca.
Hoje tive uma consulta com o neurocirurgião de confiança: Dr. Cassius Vinícius Correa dos Reis. Porém, o consultório é no Hospital Madre Teresa. Desci do uber e, ao entrar no corredor senti meu coração acelerado. À medida que ia perguntando onde era o ambulatório 3, senti náusea e tontura. Respeirei fundo. Já estava a ponto de chorar quando a enfermeira me disse: “Siga a linha verde até o final. É lá.”
Segui e não pude deixar de sorrir quando me vi andando em cima da linha até que ela passasse debaixo de um conjunto de cadeiras. Isso foi suficiente para eu sentir desconforto. A enfermeira disse que a linha verde me levaria ao lugar desejado. Foi o bastante para eu querer andar em cima dela. Gargalhei chamando a atenção das pessoas próximas. Resolvi então, manter somente o olhar na tal linha verde. Bingo. Cheguei.
Retirei a senha e tratei de me acalmar. É que entre tanta gente, cheiros, excesso de informação visual e barulho minha cabeça roda como se eu fosse desmaiar. Dessa maneira, retirei me brinquedinho de apertar na mão para me acalmar e respirei fundo. Ainda bem que o hospital não era público. Seria pior. As pessoas são mais ‘desorganizadas’,
surgem a todo momento de todos os lugares: pacientes, enfermeiros, técnicos, médicos, atendentes e pessoas, muitas pessoas passando mal. Mais respiração monitorada para me acalmar. Como pode esse cenário me desorganizar tanto até hoje?Quando a atendente me chamou, respondi mecanicamente suas perguntas. Assim, ao perceber que ela fez uma pausa, comecei a falar dos meus medos e dificuldades. Ela me lançou um olhar impaciente. Contudo, ao reconhecer o colar de girassol, passou a dizer palavras de conforto.
Minha cabeça ainda girava enquanto eu contava para ela de meu desconforto. Paralelamente, meu cérebro se questionava: Por que não tem paciência com todos? Por que eu tenho de contar tudo para todos? Por que o cordão de girassol parece dizer mais de mim que eu mesma?
Continuei a apertar meu “stim toy” (brinquedos que são capazes de proporcionar alívio da sobrecarga sensorial e emocional, além de proporcionarem uma textura agradável ao toque.) e fui me acalmando para a consulta. Não resisti e pensei: “Ainda bem que adulto autista sofre mas brinca.”
Selma Sueli Silva é criadora de conteúdo e empreendedora no projeto multimídia Mundo Autista D&I, escritora e radialista. Especialista em Comunicação e Gestão Empresarial (IEC/MG), ela atua como editora no site O Mundo Autista (Portal UAI) e é articulista na Revista Autismo (Canal Autismo). Em 2019, recebeu o prêmio de Boas Práticas do programa da União Europeia Erasmus+. Prêmio Microinfluenciadores Digitais 2023, na categoria PcD. É membro da UNESCOSOST movimento de sustentabilidade Criativa, desde 2022.
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