Autismo e rigidez de pensamento é tema da coluna de Sophia Mendonça, que percebe nessa característica o maior desafio para autistas adultos.
A rigidez de pensamento é uma das características marcantes do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Segundo a psiquiatra Raquel Del Monde, este conceito refere-se à dificuldade em lidar com a relatividade das coisas. Esse traço, aliás, ocorre em todos os níveis de suporte, com manifestações que variam conforme a fatores como potencial intelectual e habilidades comunicacionais. Assim, a rigidez mental aparece por meio de características como o perfeccionismo e o pensamento absoluto (tudo ou nada).
Essa rigidez, a meu ver, é o aspecto mais desafiador para autistas com menor demanda de suporte na fase adulta. Isso ocorre embora, na visão mais estereotipada do autismo, as interações sociais sejam vistas como a maior fonte de sofrimento e de desafios. Porém, para pessoas com maior facilidade de adaptação aos ambientes coletivos devido a aspectos como QI e fala, os déficits na comunicação social podem ser muito mais fáceis de se compensar.
Isso acontece porque as estratégias para essas interações podem aparecer em terapias para quem tem maior dificuldade, mas se revelam um processo de sobrevivência um tanto quanto instintivo para essas pessoas. Já no caso da rigidez mental, é muito mais difícil procurar acessibilidade e acomodações. Afinal, muitas vezes nem percebemos o quão rígidos somos. E só notamos a possibilidade de relativização quando esta aparece de maneira explícita.
Um exemplo disso é o caso do autista que sempre precisou comprar remédios e sempre enfrentou muita dificuldade a comparecer às farmácias, por causa da fobia social e dificuldades de permanecer em ambientes com muitas pessoas e barulhos. Esse autista pode nem perceber que há a possibilidade de fazer a compra online se não vir explicitamente um app que garanta essa possibilidade.
Isso é algo que a maioria das pessoas poderia ter pesquisado antes. Mas, em alguns casos do TEA, essa iniciativa não vem simplesmente porque sequer imaginamos o que não vemos claramente. Somam-se essas dificuldades incomuns à população em geral com outras, como a disfunção executiva e a tendência à ansiedade, e pequenas tarefas vão se juntando em uma bola de neve de complexidade e de sofrimentos. Por isso, muito melhor do que julgar é sempre acolher quem está à sua frente.
O interessante é que, no prefácio do meu livro Outro Olhar (2015), o psiquiatra Dr. Walter Camargos Júnior elogia o modo como eu desconstruo essa noção de rigidez de pensamento quando a aplicar nas interações sociais no “mundo real”. Afinal, na experiência concreta das interações, pessoas neurotípicas também podem se mostrar inflexíveis por outros motivos, como a própria bagagem de vida. Junte-se isso à rigidez típica dos autistas e o movimento para a compreensão mútua pode se tornar ainda mais desafiador. Mesmo assim, é importante estarmos abertos a novas perspectivas. Isso porque o aprendizado se dá justamente nessas interações, em meio a processos de discordância, choque e identificação.
Sophia Mendonça é jornalista e escritora. Também, atua como youtuber do canal “Mundo Autista” e é colunista da “Revista Autismo/Canal Autismo“ e do “Portal UAI“. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Assim, em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Já em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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